O labirinto dos créditos ao consumo: como os portugueses estão a pagar mais sem saber

O labirinto dos créditos ao consumo: como os portugueses estão a pagar mais sem saber
Nas ruas de Lisboa, Porto ou Faro, os anúncios multiplicam-se: "Crédito rápido", "Dinheiro imediato", "Sem complicações". O que parecem ser soluções fáceis para problemas financeiros imediatos escondem uma realidade mais complexa. Enquanto o Banco de Portugal alerta para o crescimento do endividamento das famílias, os portugueses continuam a recorrer a créditos ao consumo como se fossem água. Mas a que custo?

A verdade é que muitos não percebem que estão a entrar num labirinto de taxas, comissões e prazos que transformam uma necessidade momentânea num fardo de anos. Segundo dados recentes, o volume de crédito ao consumo em Portugal aumentou 8,7% no último ano, um ritmo que preocupa as autoridades. Mas os números frios não contam as histórias quentes das pessoas por trás das estatísticas.

Maria, 34 anos, administrativa em Coimbra, é um desses casos. "Precisava de trocar o carro para levar os filhos à escola. Vi uma campanha com taxas atrativas e pensei que era a solução", conta. Dois anos depois, percebeu que estava a pagar quase o dobro do valor inicial em juros e comissões. "Ninguém me explicou as letras pequenas", lamenta.

As letras pequenas são precisamente onde se escondem os detalhes que fazem a diferença entre um crédito razoável e uma armadilha financeira. A TAEG (Taxa Anual Efetiva Global) é muitas vezes apresentada de forma confusa, misturando-se com outras siglas e números que confundem até os mais atentos. Os especialistas alertam: comparar ofertas tornou-se um exercício de decifração de códigos.

Mas o problema não está apenas na complexidade. Há uma cultura de imediatismo que alimenta este mercado. "A sociedade atual valoriza o ter agora em vez do esperar e poupar", explica o economista Rui Silva. "As instituições financeiras sabem disso e adaptam os seus produtos a esta mentalidade."

O resultado é um ciclo perigoso: créditos para pagar outros créditos, juros sobre juros, e uma sensação de afogamento financeiro que afeta cada vez mais famílias. As associações de defesa do consumidor recebem diariamente pedidos de ajuda de pessoas que não conseguem sair do buraco em que caíram.

E enquanto isso, as grandes superfícies continuam a oferecer créditos como se fossem brindes. "Compre agora e pague depois", prometem os cartazes. O que não dizem é que o "depois" pode significar juros que duplicam o valor da compra. A facilidade de acesso, muitas vezes com aprovação em minutos, cria uma falsa sensação de segurança.

Mas há luz no fim do túnel. Novas regras de transparência estão a ser implementadas, obrigando as instituições a serem mais claras nas suas ofertas. Além disso, plataformas de comparação independentes começam a ganhar terreno, ajudando os consumidores a fazer escolhas mais informadas.

O segredo, segundo os especialistas, está na educação financeira. "Ensinar desde cedo a gerir o dinheiro, a entender os juros compostos, a distinguir entre necessidade e desejo", defende a consultora financeira Sofia Martins. "Só assim podemos quebrar este ciclo."

Enquanto isso, nas ruas portuguesas, os anúncios continuam a brilhar. "Crédito até 50.000 euros", prometem. O que não brilha são as histórias das pessoas que aceitaram essas promessas e agora lutam para manter a cabeça fora de água. Num país que ainda sente os efeitos da última crise, o cuidado com o endividamento não pode ser uma opção - tem de ser uma prioridade.

A solução pode passar por um equilíbrio difícil: aproveitar o crédito como ferramenta de gestão financeira sem cair na tentação do consumo desmedido. Requer paciência, informação e, acima de tudo, a coragem de dizer "não" quando as condições não são claras. Porque no mundo dos créditos, o que parece ouro pode ser apenas latão pintado.

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