Os números não mentem: nos últimos dois anos, o volume de crédito à habitação em Portugal aumentou 12%, enquanto os empréstimos pessoais registaram um crescimento surpreendente de 18%. Estes dados, recentemente divulgados pelo Banco de Portugal, pintam o retrato de uma nação em movimento, mas também revelam histórias complexas por detrás das estatísticas.
Na Rua do Almada, no Porto, encontramos Maria Silva, 34 anos, arquiteta. Ela representa uma nova geração de portugueses que está a desafiar o tradicional medo do endividamento. "Comprei o meu primeiro apartamento em 2023", conta enquanto mostra orgulhosamente a varanda com vista para o rio Douro. "O crédito habitação não era uma opção, era uma necessidade. Mas estudei o mercado durante seis meses antes de avançar."
Esta cautela meticulosa contrasta com a realidade de muitos portugueses que, pressionados pela inflação e pelo aumento do custo de vida, se viram forçados a recorrer a soluções de crédito mais arriscadas. Segundo um estudo da DECO, 23% das famílias portuguesas admitem ter dificuldade em cumprir com as suas obrigações financeiras mensais.
O mercado de créditos em Portugal está a atravessar uma transformação silenciosa mas profunda. As fintechs estão a ganhar terreno aos bancos tradicionais, oferecendo processos mais ágeis e taxas de juro competitivas. "Recebemos três vezes mais pedidos de crédito pessoal em 2023 do que em 2022", revela Pedro Martins, CEO de uma startup fintech portuguesa. "As pessoas procuram alternativas aos bancos onde foram clientes durante décadas."
Esta mudança de comportamento não é aleatória. A pandemia alterou profundamente a relação dos portugueses com o dinheiro e o crédito. Muitos descobriram o teletrabalho, o que levou a uma reavaliação das necessidades habitacionais e, consequentemente, a uma onda de refinanciamentos e novas aquisições.
No entanto, especialistas alertam para os perigos desta "febre do crédito". "Estamos a ver um aumento preocupante do sobre-endividamento", adverte a economista Carla Rodrigues. "As famílias estão a usar crédito para cobrir despesas correntes, o que é um sinal alarmante."
O cenário torna-se ainda mais complexo quando analisamos as diferentes gerações. Os millennials e a geração Z mostram-se mais confortáveis com o crédito do que os seus pais, mas também demonstram maior literacia financeira. "Aprendemos com os erros da geração anterior", explica João Pereira, 28 anos, engenheiro informático. "Uso apps para simular diferentes cenários antes de contrair qualquer dívida."
As instituições financeiras, por seu lado, estão a adaptar-se a esta nova realidade. "Desenvolvemos ferramentas digitais que permitem aos clientes entender melhor os produtos de crédito", explica Sofia Almeida, diretora de um grande banco português. "A transparência tornou-se a nossa principal prioridade."
Mas será que esta transparência é suficiente? Um relatório da ASF revela que apenas 42% dos portugueses compreendem completamente os termos dos contratos de crédito que assinam. Este dado levanta questões importantes sobre a eficácia da educação financeira em Portugal.
O futuro do crédito em Portugal parece caminhar para uma maior digitalização e personalização. "Em cinco anos, a maioria dos créditos será concedida através de inteligência artificial", prevê Miguel Santos, especialista em fintech. "Os algoritmos vão analisar milhares de dados para oferecer soluções sob medida."
Enquanto isso, nas ruas de Lisboa e do Porto, as histórias continuam a escrever-se. Como a de António e Margarida, reformados que decidiram contrair um crédito para renovar a casa onde vivem há 40 anos. "É o nosso último grande projeto juntos", diz Margarida, com um sorriso que vale mais do que qualquer taxa de juro.
O crédito, afinal, não é apenas sobre números e contratos. É sobre projetos de vida, sonhos adiados e oportunidades aproveitadas. E numa economia em constante mudança, entender este labirinto financeiro tornou-se essencial para todos os portugueses.
O labirinto dos créditos: como os portugueses estão a navegar no mercado financeiro pós-pandemia
