Os portugueses estão a descobrir que pedir dinheiro emprestado tornou-se numa espécie de jogo de xadrez fiscal onde cada movimento pode custar milhares de euros. Enquanto o Banco de Portugal alerta para o crescimento do crédito às famílias, muitos consumidores sentem-se perdidos num emaranhado de taxas, spreads e comissões que parecem mudar mais rápido do que o tempo em Lisboa.
A verdade é que o mercado de crédito está a passar por uma transformação silenciosa mas profunda. Os bancos tradicionais, outrora os reis indiscutíveis do empréstimo, veem agora a sua coroa ameaçada por fintechs que prometem processos mais rápidos e condições mais transparentes. Esta batalha pelo bolso do português está a criar oportunidades, mas também armadilhas que muitos nem sequer suspeitam.
O que poucos percebem é que a escolha entre taxa fixa e variável deixou de ser uma simples questão de preferência. Tornou-se numa aposta sobre o futuro da economia europeia, com os decisores do BCE a funcionarem como crupiês invisíveis numa mesa de jogo onde as fichas são as poupanças de uma vida. As famílias que optaram por taxas fixas nos últimos dois anos estão agora a respirar de alívio, enquanto outras veem as suas prestações mensais a subir como o preço da gasolina.
Mas o verdadeiro drama está a acontecer nos créditos habitação. Muitas famílias que compraram casa durante a pandemia, atraídas pelos juros historicamente baixos, estão agora a descobrir que a festa acabou. As prestações que pareciam manageáveis há um ano transformaram-se em monstros que devoram metade do orçamento familiar. E o pior? Muitos nem sequer sabem que podem renegociar as condições ou transferir o crédito para outro banco.
A situação é particularmente preocupante para os reformados e trabalhadores independentes. Estes grupos, muitas vezes considerados de maior risco pelos bancos, enfrentam condições mais duras e menos opções. Enquanto isso, os jovens que tentam dar o primeiro passo para a independência financeira descobrem que os salários não acompanham as exigências das instituições de crédito.
O crédito automóvel é outra área onde as mudanças são dramáticas. Com a transição para os veículos elétricos, os bancos estão a ajustar as suas políticas de financiamento, criando novas oportunidades para uns e fechando portas para outros. Os consumidores que querem trocar o seu carro a gasóleo por um modelo mais ecológico enfrentam um dilema: esperar por melhores condições ou arriscar-se a ficar com um veículo que pode desvalorizar rapidamente.
O mais intrigante nesta história toda é o silêncio sobre as alternativas. Poucos portugueses sabem que existem opções além dos bancos tradicionais. As cooperativas de crédito, por exemplo, oferecem condições que muitas vezes superam as dos grandes bancos, mas permanecem na sombra por falta de divulgação. O mesmo acontece com os empréstimos entre particulares, uma modalidade que está a crescer em outros países europeus mas que em Portugal ainda é vista com desconfiança.
A regulação, embora bem-intencionada, está a criar um paradoxo interessante. Por um lado, protege os consumidores de práticas abusivas; por outro, torna o processo de obtenção de crédito tão complexo que muitos desistem antes mesmo de começar. Os requisitos de documentação multiplicaram-se, os prazos alongaram-se e a sensação geral é que pedir um empréstimo tornou-se numa maratona burocrática.
E depois há a questão dos seguros associados aos créditos. Muitos consumidores não percebem que estão a pagar por proteções desnecessárias ou que existem alternativas mais baratas no mercado. Os bancos, naturalmente, não têm interesse em explicar estas nuances, preferindo embutir os custos nas prestações mensais onde passam despercebidos.
O que está em jogo aqui vai além do dinheiro. Está em causa a capacidade das famílias portuguesas planear o seu futuro, investir na educação dos filhos, cuidar da saúde ou simplesmente ter a tranquilidade de saber que podem enfrentar imprevistos sem entrar em colapso financeiro. O crédito, quando bem utilizado, pode ser uma ferramenta de liberdade; quando mal compreendido, transforma-se numa prisão de dívidas.
Os especialistas com quem conversámos são unânimes num ponto: a educação financeira é a chave para navegar neste novo mundo. Mas essa educação não pode vir apenas das instituições financeiras, que têm interesses próprios a defender. Tem de ser um esforço coletivo que envolva escolas, associações de consumidores e meios de comunicação.
Enquanto isso, os portugueses continuam a tentar decifrar este novo código de conduta financeira. Uns com sucesso, outros com frustração, mas todos com a perceção de que as regras do jogo mudaram para sempre. A questão que fica no ar é: estaremos a preparar adequadamente as próximas gerações para estes desafios, ou estamos a condená-las a repetir os mesmos erros?
O labirinto fiscal dos créditos: como navegar nas novas regras sem perder o rumo