Num discreto escritório em Lisboa, um jovem de 26 anos mostra-me o seu portfólio de criptomoedas no telemóvel. O valor ronda os 400 mil euros. Quando pergunto quanto pagou de impostos sobre os ganhos, responde com um sorriso: "Nada. Em Portugal, as mais-valias de criptomoedas não são tributadas se não forem a minha atividade profissional". Esta é apenas uma das muitas histórias que ilustram o vazio legal que transformou Portugal num paraíso fiscal digital, enquanto outros países europeus já arrecadam milhões em receitas fiscais.
A situação tornou-se tão absurda que investidores de todo o mundo estão a mudar-se para Portugal especificamente para beneficiar deste regime fiscal favorável. Conheci um casal alemão que vendeu a sua empresa de tecnologia em Berlim e comprou uma casa em Cascais apenas para poder liquidar os seus investimentos em criptomoedas sem pagar impostos. "É como encontrar dinheiro na rua", confessou-me o marido, que preferiu manter o anonimato.
Enquanto isso, as autoridades fiscais portuguesas continuam sem uma posição clara sobre o assunto. A Autoridade Tributária mantém a mesma interpretação desde 2016: as criptomoedas não são consideradas moeda legal nem ativos financeiros, portanto as mais-valias apenas são tributadas se resultarem de uma atividade profissional. Esta ambiguidade está a custar milhões ao Estado Português num momento em que as finanças públicas precisam desesperadamente de receitas.
O contraste com outros países é gritante. Na Alemanha, as mais-valias de criptomoedas são taxadas após um ano de detenção. Em França, a taxa é de 30%. Nos Estados Unidos, o IRS trata as criptomoedas como propriedade, sujeita a impostos sobre ganhos de capital. Portugal permanece como uma exceção perigosa no panorama internacional, atraindo não apenas investidores legítimos mas também atividades menos transparentes.
O Banco de Portugal já alertou para os riscos, mas as suas recomendações caíram em ouvidos surdos. Um relatório interno a que tive acesso revela preocupações crescentes com a utilização de criptomoedas para branqueamento de capitais e evasão fiscal. "Estamos a criar um sistema paralelo que escapa completamente ao controlo das autoridades", admitiu-me uma fonte do banco central que pediu anonimato.
A indústria das criptomoedas em Portugal está a florescer, com exchanges a abrir escritórios em Lisboa e Porto. Conversei com o CEO de uma dessas plataformas, que me confessou: "Sabemos que esta situação não vai durar para sempre, mas enquanto durar, vamos aproveitar". A empresa dele registou um crescimento de 300% nos utilizadores portugueses no último ano.
Os especialistas fiscais com quem falei são unânimes: é questão de tempo até Portugal ser forçado a mudar a sua legislação. A pressão vem de vários lados - da União Europeia, que está a desenvolver regulamentação harmonizada, e da OCDE, que inclui criptoativos nas suas recomendações contra a evasão fiscal.
O que mais preocupa os observadores é o efeito dominó que esta situação pode ter noutros setores. Se os ganhos com criptomoedas não são tributados, porque é que os ganhos com ações ou imóveis deveriam sê-lo? A questão coloca problemas de equidade fiscal que podem minar a confiança no sistema.
Enquanto os políticos discutem e as comissões parlamentares elaboram relatórios, os investidores continuam a aproveitar o vazio legal. Conheci um reformado que investiu 5 mil euros em Bitcoin em 2017 e hoje tem uma carteira avaliada em 150 mil euros. "Nunca pensei que a minha reforma fosse garantida por algo que não entendia completamente", confessou-me, visivelmente emocionado.
O futuro desta situação é incerto, mas os sinais apontam para mudanças. O Ministério das Finanças já está a estudar propostas para tributar as criptomoedas, embora o processo seja lento e cheio de obstáculos políticos. A questão central é encontrar um equilíbrio entre atrair investimento e garantir que todos contribuem de forma justa para as despesas públicas.
Enquanto isso, Portugal continua a ser o El Dorado dos investidores em criptomoedas - um oásis fiscal num deserto de regulamentação cada vez mais apertada noutros países. A pergunta que fica no ar é: até quando?
O labirinto fiscal dos criptoativos: como Portugal está a perder milhões em receitas