O labirinto fiscal português: como as empresas navegam num sistema que parece desenhado para as confundir

O labirinto fiscal português: como as empresas navegam num sistema que parece desenhado para as confundir
Imagine-se a tentar resolver um quebra-cabeças onde as peças mudam de forma a cada trimestre. Esta é a realidade que muitas empresas portuguesas enfrentam quando se deparam com o sistema fiscal nacional. Um emaranhado de regras, exceções e interpretações que transforma a simples tarefa de cumprir com as obrigações fiscais numa odisseia kafkiana.

Os números falam por si: segundo dados recentes, as pequenas e médias empresas gastam em média 200 horas por ano apenas a lidar com obrigações fiscais. São cinco semanas de trabalho dedicadas exclusivamente a preencher formulários, interpretar circulares e tentar perceber qual a alínea correta num diploma legal que parece escrito em código. O custo? Cerca de 3,5% do seu volume de negócios desaparece em honorários de contabilistas e em tempo perdido.

Mas o problema vai além dos números. O sistema fiscal português tornou-se numa espécie de Frankenstein legislativo. Cada governo, cada ministro das Finanças, deixa a sua marca através de novas medidas, correções e exceções. O resultado é um edifício jurídico com tantos anexos, adendas e derrogações que até os especialistas se perdem. Um contabilista com 30 anos de experiência confessou-me, em off: "Às vezes tenho pesadelos com o Código do IRS. Acordo a suar frio, a pensar se interpretei corretamente o artigo 78.º-A."

A complexidade não é acidental. Há quem defenda que serve como mecanismo de controlo. Um empresário do setor têxtil do norte partilhou, com a voz baixa como quem conta um segredo de Estado: "Eles não querem que percebamos. Quanto mais confusos estivermos, menos conseguimos planear e menos podemos otimizar a nossa situação fiscal." Será esta visão demasiado cinica? Talvez não, quando vemos como as grandes multinacionais conseguem navegar estas águas turvas com relativa facilidade, enquanto as PME se afogam em burocracia.

O IVA merece capítulo à parte. Com múltiplas taxas, regimes especiais e isenções setoriais, transformou-se num campo minado para quem vende bens e serviços. Um restaurante que serve comida para levar paga uma taxa, o mesmo restaurante com serviço de mesa paga outra, e se tiver esplanada entra num regime diferente. Um livreiro paga IVA reduzido nos livros, mas a taxa normal no café que serve aos clientes. É como tentar jogar xadrez com as regras a mudar a cada jogada.

E depois há as sucessivas alterações. A cada Orçamento do Estado, nova leva de mudanças. As empresas mal se adaptam a uma norma, e já surge outra a substituí-la. Um gestor de uma empresa de tecnologia desabafou: "Contratamos um consultor fiscal em janeiro para nos ajudar a implementar as novas regras. Em março, metade delas já tinha sido alterada. É como construir uma casa em cima de areia movediça."

As consequências desta complexidade vão além dos custos diretos. Cria uma cultura de medo e insegurança jurídica. Muitos empresários preferem pagar mais impostos do que o estritamente necessário, apenas para evitar o risco de uma inspeção fiscal. Outros desistem de investir em Portugal, levando os seus projetos para países com sistemas fiscais mais transparentes.

Mas há luz no fim do túnel? O programa Simplex+, lançado há alguns anos, prometia simplificar a vida às empresas. Os resultados, porém, são modestos. Criou-se algum formulário online, digitalizou-se algum processo, mas a estrutura fundamental permanece intacta. É como pintar de fresco um edifício com problemas na fundação - melhora a aparência, mas não resolve os problemas estruturais.

A solução pode passar por uma reforma profunda, não apenas cosmética. Países como a Estónia mostraram que é possível ter um sistema fiscal simples e eficiente. Lá, as empresas gastam em média 50 horas por ano com obrigações fiscais - um quarto do tempo gasto em Portugal. O segredo? Menos taxas, menos regimes especiais, menos exceções.

Enquanto isso não acontece, as empresas portuguesas continuam a sua batalha diária contra o labirinto fiscal. Desenvolvem estratégias de sobrevivência, desde a contratação de equipas dedicadas exclusivamente a questões fiscais até à criação de redes de partilha de informação entre empresários. São modernos David contra o Golias da burocracia.

O custo final desta complexidade é pago por todos nós. Menos investimento significa menos empregos, menos crescimento, menos inovação. E enquanto os empresários estiverem ocupados a decifrar códigos fiscais, não estarão a criar valor, a desenvolver produtos, a expandir mercados. Estaremos todos mais pobres, presos num labirinto que nós mesmos construímos.

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