O lado oculto dos créditos: como os bancos reinventam as armadilhas financeiras

O lado oculto dos créditos: como os bancos reinventam as armadilhas financeiras
Num escritório discreto em Lisboa, um analista financeiro mostra-me um documento que parece saído de um romance de espionagem. São dezenas de páginas com cláusulas escritas em letra miúda, onde se escondem as verdadeiras condições dos créditos que os portugueses contraem todos os dias. "Eles mudaram as palavras, mas a música é a mesma", diz-me, pedindo anonimato. "Os spreads baixaram, mas surgiram novas comissões. As TAEG tornaram-se mais complexas. O consumidor pensa que está a ganhar, mas na verdade está a perder de forma diferente."

Esta reinvenção das armadilhas creditícias acontece num momento peculiar para a economia portuguesa. Os juros subiram, o custo de vida disparou, e as famílias procuram desesperadamente por financiamento. Os bancos, por seu lado, enfrentam margens cada vez mais reduzidas nos produtos tradicionais. O resultado? Uma corrida silenciosa para criar mecanismos de lucro que passam despercebidos ao olho menos treinado.

A primeira grande mudança está nas comissões de manutenção de conta. O que antes era um valor simbólico transformou-se num rendimento significativo para as instituições financeiras. "Um cliente paga 5 euros por mês parece pouco, mas multiplicado por milhões de clientes e por doze meses, estamos a falar de centenas de milhões", explica uma fonte do setor bancário. E o pior: muitas destas comissões estão vinculadas aos créditos, tornando-se obrigatórias para quem contraiu empréstimos.

Outra estratégia subtil reside na forma como os seguros são empacotados com os créditos. Os bancos criaram pacotes onde o seguro de vida, multirriscos ou até desemprego aparecem como "condição preferencial" para aprovação do empréstimo. Na prática, quem recusa estes seguros vê a sua taxa de juro aumentar ou até ter o crédito recusado. É uma forma elegante de obrigar à contratação de produtos complementares.

As campanhas promocionais tornaram-se outro campo minado. "Crédito pessoal com TAEG zero nos primeiros seis meses" soa maravilhoso, mas esconde o verdadeiro custo a longo prazo. Os especialistas alertam: após o período promocional, as taxas disparam para valores acima da média do mercado. E muitos clientes, acomodados com o pagamento baixo inicial, não renegociam a tempo.

A digitalização trouxe novos perigos. Os chatbots e plataformas online tornam o processo de contratação tão rápido que muitos nem sequer leem as condições. Um estudo recente mostra que 78% dos portugueses admitem não ler integralmente os contratos de crédito que assinam digitalmente. "Clicam em 'concordo' sem saber no que estão a concordar", comenta um jurista especializado em direito do consumo.

Os créditos consolidados aparecem como solução mágica para quem tem várias dívidas, mas podem transformar-se numa espiral sem fim. Ao juntar todos os empréstimos num só, com prazos mais longos, o cliente paga menos por mês, mas no final desembolsa muito mais em juros. É como trocar seis por meia dúzia, só que a meia dúzia sai mais cara.

O Banco de Portugal tem tentado travar estas práticas através de regulamentação mais apertada, mas as instituições financeiras mostram uma capacidade impressionante de adaptação. Mal sai uma nova norma, já estão a trabalhar em formas de a contornar sem violar a letra da lei. É um jogo de gato e rato onde os consumidores saem quase sempre perdendo.

As Fintechs, que prometiam revolucionar o setor com transparência, começam a adoptar algumas destas estratégias. As startups que criticavam os bancos tradicionais agora replicam os mesmos modelos de negócio. A diferença é que usam algoritmos em vez de gestores de conta para maximizar o lucro.

O que pode fazer o consumidor? Especialistas recomendam desconfiar de ofertas demasiado boas para ser verdade, ler sempre as letras pequenas (mesmo que sejam chatas de ler), e comparar não apenas as TAEG iniciais, mas o custo total do crédito ao longo de toda a sua vida. Pedir ajuda a um consultor independente também pode valer a pena, especialmente para montantes elevados.

No fundo, a lição é simples: num mercado cada vez mais complexo, a educação financeira deixou de ser um luxo para se tornar uma necessidade de sobrevivência. Os créditos podem ser ferramentas úteis, mas nas mãos erradas transformam-se em algemas douradas. E nestes tempos de incerteza económica, mais vale prevenir do que remediar.

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