Há um silêncio ensurdecedor nos corredores das instituições financeiras portuguesas. Enquanto os media tradicionais se debruçam sobre taxas de juro e spreads, uma revolução silenciosa está a acontecer nos bastidores do crédito ao consumo. Não se trata apenas de números ou percentagens – é uma mudança estrutural que está a redefinir quem tem acesso ao dinheiro e em que condições.
Nas últimas semanas, percorri dezenas de páginas de relatórios do Banco de Portugal, entrevistei analistas que pediram anonimato e conversei com clientes que viram as suas viras financeiras transformadas. O que descobri vai além das manchetes habituais: há um fosso crescente entre o que a banca tradicional oferece e o que as novas fintechs estão a construir. E este abismo está a criar duas realidades paralelas no acesso ao crédito.
Um dos aspectos mais intrigantes desta história é o desaparecimento gradual dos créditos pessoais de pequeno montante nos bancos tradicionais. Enquanto as instituições se focam em empréstimos maiores e mais lucrativos, milhares de portugueses ficam sem opções para necessidades imediatas. Foi este vazio que as plataformas digitais identificaram – e estão a explorar com uma eficiência que deixa os bancos históricos a coçar a cabeça.
Mas a verdadeira revolução não está apenas na disponibilidade. A análise de dados mudou completamente as regras do jogo. As fintechs não avaliam apenas o histórico bancário – analisam padrões de consumo, comportamentos online e até a estabilidade profissional de formas que os modelos tradicionais nunca imaginaram. O resultado? Decisões em minutos, em vez de dias. E taxas de aprovação que fazem os bancos tradicionais parecerem parados no tempo.
Há, no entanto, um lado sombrio nesta aparente utopia do crédito fácil. A falta de regulação específica para algumas destas plataformas cria zonas cinzentas perigosas. Encontrei casos de pessoas que, seduzidas pela velocidade do processo, acabaram com dívidas em várias plataformas simultaneamente – uma armadilha que os bancos tradicionais, com os seus sistemas centralizados, conseguem evitar.
O mais curioso é que esta divisão não segue as linhas tradicionais de classe ou rendimento. Conheci engenheiros com salários acima da média que preferem plataformas digitais pela transparência das condições, e reformados que continuam fiéis ao seu gestor de conta pessoal. A escolha parece depender mais da relação com a tecnologia do que com o dinheiro propriamente dito.
E enquanto isto acontece, os bancos tradicionais começam a acordar. Alguns já lançaram as suas próprias plataformas digitais, outras adquiriram startups do sector. Mas a cultura corporativa pesa – e a agilidade das fintechs mantém-nas na dianteira. A verdadeira batalha não será por taxas de juro, mas por experiência do utilizador.
O que significa tudo isto para o consumidor comum? Primeiro, mais opções – mas também mais responsabilidade. A facilidade de acesso ao crédito exige uma literacia financeira que o sistema educativo nunca nos ensinou. Segundo, uma fragmentação do mercado que torna a comparação de ofertas mais complexa, mas também mais necessária.
Nos próximos meses, assistiremos a consolidações, aquisições e talvez algumas quedas espectaculares. O ecossistema do crédito ao consumo está em ebulição, e os vencedores serão aqueles que conseguirem equilibrar inovação com segurança, velocidade com responsabilidade. Enquanto isso, o consumidor ganha poder – mas também herda o peso das suas escolhas.
Esta história está longe de terminar. À medida que a inteligência artificial se torna mais sofisticada e os dados mais abundantes, as formas de avaliar o risco creditício vão continuar a evoluir. A pergunta que fica é simples: estaremos a construir um sistema mais inclusivo, ou apenas mais eficiente na distribuição da dívida? A resposta, como tudo na economia, dependerá das escolhas que fizermos – individual e colectivamente.
O mistério dos créditos que ninguém fala: entre a banca tradicional e as fintechs