Nas ruas de Lisboa, enquanto os cafés enchem de conversas sobre as últimas subidas da Euribor, há uma verdade que permanece escondida nos contratos de crédito. Não é uma conspiração, mas uma realidade construída com letra pequena e cláusulas que poucos leem. Os bancos portugueses desenvolveram mecanismos tão sofisticados que transformam o teu empréstimo numa mina de ouro para eles, mesmo quando as tuas finanças pessoais estão à beira do precipício.
Vamos começar pelos spreads. Todos falam deles, mas quantos realmente entendem como são calculados? A verdade é que o spread anunciado é apenas a ponta do icebergue. Por trás dele, escondem-se comissões de processamento, taxas de manutenção de conta e até encargos por amortizações antecipadas que podem tornar um crédito barato num pesadelo caríssimo. Um estudo recente revelou que 68% dos portugueses desconhecem pelo menos três das comissões associadas ao seu crédito habitacional.
E que dizer dos seguros? Aqui a história ganha contornos quase cinematográficos. Os bancos não só obrigam à contratação de seguros através deles, como aplicam margens que chegam aos 40% sobre o preço real do produto. O seguro de vida, o multirriscos, até o seguro de desemprego – todos são fontes de receita paralela que raramente são discutidas na mesa de negociação. Um banqueiro reformado confessou-nos, sob anonimato: "Cada seguro vendido com um crédito vale mais do que os juros do primeiro ano".
Mas o verdadeiro tesouro está nas cláusulas de renegociação. Quando a taxa de esforço aumenta e o cliente pede ajuda, os bancos apresentam-se como salvadores. O que não contam é que cada renegociação gera novas comissões, prolonga o prazo do empréstimo e, na maioria dos casos, aumenta o montante total a pagar. É um ciclo vicioso onde o devedor fica preso por mais anos, enquanto o banco garante receita adicional.
A digitalização trouxe novos truques. Os algoritmos de scoring de crédito, supostamente objetivos, estão programados para favorecer produtos mais rentáveis. Quando pedes uma simulação online, o sistema já sabe qual o crédito que te dará mais lucro ao banco, não qual é o melhor para ti. E pior: esses dados são depois usados para ajustar ofertas em tempo real, criando uma discriminação algorítmica que ninguém regula.
Nos bastidores, os departamentos de risco têm directrizes claras: maximizar a rentabilidade por cliente, não minimizar o seu risco. Isto traduz-se em recomendações de produtos complexos, como créditos com taxa mista quando a fixa seria melhor, ou prazos mais longos do que o necessário. Tudo porque cada ano adicional de empréstimo representa mais comissões para o banco.
E quando o cliente entra em incumprimento? Aí o negócio torna-se ainda mais lucrativo. As comissões de cobrança, os juros de mora, os custos processuais – tudo é somado à dívida original, criando uma bola de neve que pode multiplicar o valor devido por três ou quatro. Os bancos criaram departamentos especializados só na gestão de créditos malparados, porque descobriram que são mais rentáveis do que os créditos "saudáveis".
A regulação tenta acompanhar, mas está sempre dois passos atrás. Enquanto o Banco de Portugal discute limites para comissões, os bancos já inventaram três novas. A transparência exigida pela lei é contornada com documentos de 50 páginas onde a informação crucial se perde no meio de juridiquês. E o cliente, sobrecarregado com trabalho e preocupações, assina sem perceber que está a fechar um pacto que o vai perseguir durante décadas.
Mas há luz no fim do túnel. Novas fintechs estão a desafiar este modelo, oferecendo créditos realmente transparentes. Cooperativas de crédito resgatam princípios esquecidos de mutualismo. E consumidores mais informados começam a exigir contratos simples e justos. A revolução pode não ser televisada, mas está a acontecer nas reuniões de condomínio e nos grupos de WhatsApp onde se partilham experiências.
O segredo já não é tão secreto. À medida que mais portugueses percebem como o sistema funciona, a pressão por mudança aumenta. Os créditos não têm de ser armadilhas financeiras. Podem ser ferramentas de liberdade, desde que conheças as regras do jogo. E a primeira regra é esta: no mundo dos créditos, se parece bom demais para ser verdade, é porque alguém está a esconder algo. Geralmente, quanto custa.
O segredo dos créditos que ninguém te conta: como os bancos ganham quando tu perdes