Há uma obsessão nacional que se repete todos os anos como um ritual de outono: a publicação dos rankings das escolas. Enquanto pais, professores e políticos se debruçam sobre tabelas intermináveis de números, pergunta-se alguém o que realmente importa na educação dos nossos jovens? A resposta, como descobri numa investigação de vários meses, está longe dos lugares-comuns que dominam o debate público.
Nas salas de professores de norte a sul do país, encontrei educadores que falam de uma realidade que os rankings ignoram. A professora Ana, de uma escola do interior alentejano, contou-me como transformou a sua sala de aula num espaço onde os alunos aprendem a gerir emoções antes de decorarem fórmulas matemáticas. "Quando um adolescente chega à escola com fome ou com problemas familiares, de que serve exigir-lhe que memorize a tabela periódica?", questiona, enquanto mostra os cantos de leitura e conversa que criou entre as carteiras tradicionais.
Esta abordagem humanizada da educação contrasta com a visão tecnocrática que domina os discursos oficiais. Enquanto o governo anuncia mais tablets e quadros interativos, os educadores que realmente fazem a diferença sabem que a tecnologia é apenas uma ferramenta, não a solução. Visitei escolas onde os computadores estão encaixotados porque os professores perceberam que os alunos precisam primeiro de aprender a concentrar-se, a relacionar-se, a pensar criticamente.
O drama da formação de professores é outro tema que raramente aparece nas manchetes. Conversei com docentes que completaram a sua formação há décadas e que se sentem perdidos perante as sucessivas reformas educativas. "Mudam os programas, mudam as metodologias, mudam as avaliações, mas ninguém nos prepara para essas mudanças", desabafa Carlos, professor há 25 anos. A sua frustração é partilhada por muitos colegas que sentem que a formação contínua é mais uma formalidade burocrática do que uma verdadeira oportunidade de crescimento profissional.
Nas conversas com pais, descobri uma ansiedade crescente em relação ao futuro dos filhos. Muitos confessaram-me, em off, que se sentem pressionados a escolher escolas baseando-se em critérios que pouco têm a ver com a qualidade da educação. "Escolhemos a escola do nosso filho porque fica perto de casa e porque os professores parecem dedicados", contou-me uma mãe de Lisboa. "Os rankings? São apenas números que não nos dizem como é o ambiente na escola, se os miúdos são felizes, se aprendem a ser boas pessoas."
A questão da inclusão é talvez o tema mais negligenciado no debate educativo. Em escolas de referência para a educação inclusiva, testemunhei práticas que deveriam ser norma em todo o sistema. Professores que adaptam materiais para alunos com necessidades específicas, colegas que apoiam colegas, comunidades educativas que entendem que cada criança aprende ao seu ritmo. Estas experiências mostram que a verdadeira excelência educativa não se mede pela performance dos melhores alunos, mas pela capacidade de fazer progredir todos os alunos.
O ensino profissional surge como uma alternativa promissora, mas ainda pouco valorizada. Visitei escolas onde os alunos aprendem profissões técnicas enquanto desenvolvem projetos reais para a comunidade. "Estes jovens não são menos inteligentes do que os que seguem o ensino regular", defende a diretora de uma escola profissional no Porto. "São simplesmente diferentes, com talentos e interesses que o sistema tradicional não sabe valorizar."
A autonomia das escolas é outro mito que a minha investigação desmontou. Apesar do discurso oficial sobre a liberdade das escolas para definir os seus projetos educativos, a realidade é de um controlo centralizado que sufoca a inovação. Diretores contaram-me, sempre com receio de represálias, como têm de preencher formulários intermináveis e seguir orientações contraditórias do ministério.
O que emerge de todas estas conversas é uma imagem complexa e multifacetada da educação portuguesa. Longe dos simplismos dos rankings e dos debates televisivos, há uma realidade rica e diversa que merece ser conhecida e valorizada. Educadores dedicados, projetos inovadores, comunidades empenhadas - estes são os verdadeiros pilares de um sistema educativo que prepara os jovens não apenas para exames, mas para a vida.
No final da minha investigação, cheguei a uma conclusão surpreendente: as melhores práticas educativas muitas vezes surgem precisamente onde o sistema mais falha. São os professores que, perante a falta de recursos, inventam soluções criativas. São as escolas que, ignoradas pelos rankings, desenvolvem projetos comunitários transformadores. São os alunos que, contra todas as expectativas, descobrem os seus talentos e constroem os seus caminhos.
Talvez seja hora de mudarmos a conversa sobre educação em Portugal. Em vez de perguntarmos qual é a melhor escola, devíamos perguntar: que tipo de educação queremos para os nossos filhos? Que valores queremos transmitir? Que sociedade queremos construir? As respostas a estas questões não cabem numa tabela de Excel, mas são essenciais para o futuro do país.
O que realmente importa na educação portuguesa: além dos rankings e das estatísticas
