Há uma epidemia silenciosa a percorrer os corredores das escolas portuguesas. Não se vê, não se ouve, mas sente-se nos olhares baixos dos adolescentes, nos dedos que tamborilam nas mesas, nos suspiros que escapam antes dos testes. A saúde mental tornou-se o elefante na sala de aula - todos sabem que está lá, mas poucos têm coragem de o nomear.
Enquanto o país debate currículos e rankings, os verdadeiros dramas desenrolam-se nas salas de vazias dos gabinetes de psicologia, onde faltam profissionais, e nos telemóveis que nunca desligam, alimentando ansiedades que a geração dos pais mal compreende. As escolas transformaram-se em campos de batalha invisíveis, onde jovens combatem demónios que os adultos teimam em ignorar.
Os números contam uma história perturbadora. Um estudo recente revelou que 30% dos alunos portugueses apresentam sintomas de ansiedade, enquanto a depressão juvenil aumentou 40% na última década. São estatísticas que deveriam fazer soar todos os alarmes, mas que se perdem no ruído das discussões sobre exames nacionais e grelhas de correção.
O problema é sistémico. As escolas foram concebidas para um mundo que já não existe - um mundo mais lento, menos conectado, onde a pressão para ser perfeito não chegava através de ecrãs. Agora, os alunos navegam num oceano de expectativas: devem ser brilhantes academicamente, socialmente populares, fisicamente impecáveis e emocionalmente resilientes. Tudo ao mesmo tempo.
Os professores, esses soldados na linha da frente, reconhecem o problema mas sentem-se desarmados. "Chego a casa e choro", confessa uma professora do secundário que preferiu não se identificar. "Vejo miúdos de 16 anos com crises de pânico antes das apresentações orais, outros que cortam os braços nas casas de banho, e não tenho ferramentas para os ajudar."
A solução, defendem os especialistas, passa por uma revolução na forma como encaramos a educação. Não se trata de acrescentar mais uma disciplina ao currículo, mas de transformar toda a cultura escolar. Escolas como a Escola da Ponte demonstraram que é possível criar ambientes onde o bem-estar emocional é tão importante como as notas.
Em alguns estabelecimentos, começam a surgir iniciativas promissoras. Meditação matinal, programas de mentoria entre alunos, espaços de descompressão - pequenas ilhas de sanidade num sistema à beira do colapso. Mas estas são exceções, não a regra.
O maior obstáculo pode ser cultural. Portugal ainda vive na sombra de um passado onde "problemas de cabeça" eram vergonha a esconder. Romper este silêncio exigirá coragem - dos políticos, dos educadores, mas sobretudo das famílias, que precisam de perceber que a saúde mental dos seus filhos não é um luxo, mas uma necessidade básica.
Enquanto isso, nas salas de aula, o silêncio continua a educar. Ensina que é melhor sofrer em silêncio do que pedir ajuda. Que as emoções são inconvenientes num sistema que valoriza apenas o racional. Que o sucesso académico compensa qualquer sofrimento emocional.
Mas e se estivermos a educar uma geração de excelentes estudantes que não sabem ser felizes? E se o preço do sucesso escolar for a infelicidade adulta? São perguntas que exigem respostas urgentes, antes que o silêncio se torne ensurdecedor.
O silêncio que educa: quando as escolas portuguesas enfrentam o desafio da saúde mental
