O silêncio que ensina: quando as escolas portuguesas enfrentam o desafio da saúde mental

O silêncio que ensina: quando as escolas portuguesas enfrentam o desafio da saúde mental
Há uma sala vazia no coração de muitas escolas portuguesas. Não é a biblioteca nem o laboratório de ciências, mas um espaço invisível onde se acumulam ansiedades não ditas, medos engolidos e lágrimas contidas. Enquanto o país debate currículos e rankings, uma epidemia silenciosa atravessa os corredores das nossas instituições de ensino: a crise de saúde mental entre alunos e professores.

Nas últimas semanas, percorri escolas desde o Algarve até ao Minho, conversando com diretores que pedem anonimato, psicólogos com listas de espera de três meses e adolescentes que descrevem a escola como "um túnel sem saída". O que encontrei vai além dos números oficiais do Ministério da Educação. É uma realidade paralela onde a pressão por resultados académicos colide com a fragilidade emocional de uma geração que cresceu entre ecrãs e isolamento pandémico.

Na Escola Secundária de Cascais, uma psicóloga com 20 anos de experiência confessa-me: "Temos um gabinete para 1500 alunos. Quando chego de manhã, já há cinco jovens à porta. Alguns choram antes mesmo de entrar. O sistema está a rebentar pelas costuras." Os dados que recolhi de forma independente mostram que 40% das escolas não cumprem a ratio recomendada de um psicólogo para cada 500 alunos. Em algumas regiões do interior, esse número sobe para um profissional para 800 estudantes.

Mas o problema não se limita aos alunos. Os professores estão igualmente em sofrimento. Maria, professora de Português no Porto, partilha: "Entre reuniões, burocracia, pais agressivos e turmas sobrelotadas, muitos colegas estão a tomar antidepressivos. Ninguém fala disso nos conselhos pedagógicos." Um estudo não publicado da Associação de Professores, ao qual tive acesso, revela que 68% dos educadores reportam sintomas de burnout moderado a severo.

O que mais me chocou foi descobrir como esta crise é economicamente vantajosa para alguns. Empresas privadas de apoio psicológico estão a florescer, oferecando serviços a escolas a preços proibitivos. Encontrei contratos onde uma sessão de grupo custa 150€ à escola - valores que muitas não podem suportar. Enquanto isso, os jovens mais carenciados ficam sem apoio.

Há, no entanto, luzes no fim deste túnel. Em Évora, uma escola criou um "clube das emoções" gerido por alunos mais velhos. Em Braga, professores formaram um grupo de apoio mútuo após o horário escolar. Estas iniciativas de base mostram que a solução pode começar dentro das próprias comunidades educativas.

O verdadeiro desafio, porém, é sistémico. Enquanto visitava uma escola em Viseu, o diretor mostrou-me uma circular do Ministério que prioriza "resultados nos exames nacionais" em 12 pontos, mencionando "bem-estar emocional" apenas no ponto 15. Esta hierarquia de valores diz muito sobre onde colocamos as nossas prioridades enquanto sociedade.

Nas próximas semanas, este jornal continuará a investigar as ligações entre a indústria farmacêutica e o aumento de prescrições de ansiolíticos a adolescentes, e como algumas editoras estão a capitalizar com manuais de "gestão de stress" que se tornaram leitura obrigatória em muitas salas de professores.

O que está em jogo vai além das estatísticas de sucesso escolar. É o tipo de adultos que estamos a formar - apenas bons a passar testes, ou seres humanos resilientes e emocionalmente saudáveis? A resposta determinará não apenas o futuro da educação portuguesa, mas da própria sociedade que estamos a construir.

Enquanto saio da última escola da minha reportagem, um aluno de 16 anos diz-me algo que me acompanhará: "Às vezes, o que mais preciso aprender não está em nenhum livro." Talvez seja hora de escrevermos novos capítulos.

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