O silêncio que grita: quando a educação especial fica para trás nas escolas portuguesas

O silêncio que grita: quando a educação especial fica para trás nas escolas portuguesas
Há um corredor vazio na escola secundária de uma pequena cidade do interior que conta uma história que poucos querem ouvir. É lá que ficam as salas de educação especial, longe do burburinho dos recreios e da azáfama das salas comuns. Visitámos dez estabelecimentos de ensino em diferentes regiões do país e encontrámos um padrão perturbador: a inclusão tornou-se uma palavra bonita em documentos oficiais, mas uma realidade distante na prática diária.

Os números do Ministério da Educação mostram que Portugal tem cerca de 80 mil alunos com necessidades educativas especiais. No papel, estão todos integrados. Na realidade, muitos professores confessam-nos, em conversas à porta fechada, que não têm formação adequada nem recursos para responder a desafios complexos. "Recebemos um aluno com autismo severo sem qualquer apoio adicional", desabafa uma professora do primeiro ciclo que prefere manter o anonimato. "É como mandar um soldado para a guerra sem armas."

A crise vai além da falta de recursos. Encontrámos casos de crianças que passam horas sozinhas em salas de apoio porque não há técnicos especializados. Numa escola básica da área metropolitana do Porto, um adolescente com paralisia cerebral frequenta as aulas de Educação Física sentado num banco, observando os colegas. O professor justifica: "Não tenho condições para o incluir nas atividades".

O problema assume contornos mais graves quando falamos de alunos com multideficiência. As famílias tornam-se guerrilheiras numa batalha silenciosa por direitos básicos. Maria, mãe de uma criança com síndrome de Down, descreve os últimos três anos como "uma via-sacra burocrática". "Passo mais tempo em reuniões e a preencher formulários do que a ajudar o meu filho a desenvolver-se", conta, enquanto mostra uma pasta com centenas de documentos.

A situação contrasta com o discurso oficial. O governo celebra os dados que mostram aumento de alunos incluídos no sistema regular. Especialistas contactados pela nossa equipa alertam, no entanto, que quantidade não significa qualidade. "Temos alunos fisicamente presentes nas salas, mas pedagogicamente abandonados", afirma uma investigadora em educação inclusiva que prefere não se identificar.

A geografia da exclusão desenha um mapa preocupante. Nas regiões do interior, a falta de técnicos especializados é mais acentuada. Nas grandes cidades, o problema é a sobrelotação. Em Lisboa, uma terapeuta da fala partilha a sua rotina: "Atendo 45 crianças em três escolas diferentes. Não consigo dar a atenção que cada uma merece".

As associações de pais tornaram-se trincheiras de resistência. Organizam-se através de grupos de WhatsApp, trocam informações sobre jurisprudência, partilham contactos de bons terapeutas. "Criámos a nossa própria rede de apoio porque o sistema nos falha", explica o presidente de uma associação de pais do distrito de Setúbal.

O futuro não parece mais risonho. Com o envelhecimento dos professores especializados e a dificuldade em atrair novos profissionais para a área, o cenário pode agravar-se. Um estudo recente da Universidade do Minho prevê que, mantendo-se as atuais condições, dentro de cinco anos teremos um défice de 30% de técnicos especializados.

Enquanto isso, nas salas de aula, os professores fazem milagres com pouco. Encontrámos educadoras que usam material reciclado para criar ferramentas pedagógicas, professores que dedicam horas não remuneradas a adaptar conteúdos, assistentes operacionais que desenvolvem estratégias intuitivas para acalmar crianças com perturbações do comportamento.

A solução, concordam todos os especialistas contactados, exige mais do que aumentos orçamentais. Requer uma mudança cultural profunda na forma como encaramos a diversidade na educação. "Precisamos de parar de ver a diferença como um problema e começarmos a vê-la como uma oportunidade de crescimento para todos", defende uma psicóloga escolar com trinta anos de experiência.

Até lá, continuaremos a ter corredores vazios que contam histórias de exclusão. E crianças que, apesar de estarem dentro da escola, permanecem à margem do direito à educação.

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