A revolução silenciosa das baterias: como Portugal está a mudar o jogo energético

A revolução silenciosa das baterias: como Portugal está a mudar o jogo energético
Enquanto os holofotes políticos se concentram nos megaprojetos eólicos e solares, uma revolução mais subtil está a ganhar forma nos laboratórios e fábricas portuguesas. Não são turbinas gigantes nem painéis fotovoltaicos a cobrir hectares de terreno, mas sim baterias – aquelas que carregamos no bolso, que alimentam os nossos carros elétricos e que, em breve, poderão estabilizar toda a rede elétrica nacional. Portugal, um país sem reservas significativas de lítio, está paradoxalmente a tornar-se um player crucial na cadeia de valor das baterias de nova geração.

A história começa longe das manchetes, no Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial, onde uma equipa liderada pela investigadora Maria Santos desenvolveu um protótipo de bateria de sódio que dispensa completamente o lítio. "Estamos a falar de um material abundante, barato e seguro", explica Santos, enquanto mostra um pequeno cilindro metálico que parece saído de uma loja de ferragens. "O sal de cozinha tem sódio. A nossa tecnologia transforma essa abundância em energia armazenável."

Enquanto a Europa debate a dependência do lítio chinês e sul-americano, esta inovação portuguesa pode redefinir as regras do jogo. A startup que nasceu desta investigação já captou 15 milhões de euros de fundos de risco e prepara-se para construir uma fábrica-piloto no Vale do Sousa. O segredo? Uma combinação de materiais de base aquosa e uma arquitetura modular que permite escalar desde aplicações domésticas até ao armazenamento em escala de rede.

Mas as baterias são apenas uma parte da equação. No Porto, a empresa WattsOn está a desenvolver o que chama de "inteligência energética distribuída". Através de algoritmos de machine learning, o seu sistema consegue prever padrões de consumo em edifícios comerciais e otimizar o uso das baterias já instaladas. "Em vez de simplesmente armazenar energia, estamos a ensinar as baterias a pensar", diz o CEO Miguel Andrade. Os resultados são impressionantes: edifícios equipados com a sua tecnologia reduziram a fatura energética em até 40%.

Esta abordagem inteligente está a chamar a atenção além-fronteiras. A gigante alemã Siemens anunciou recentemente uma parceria com a WattsOn para integrar a sua solução em projetos industriais por toda a Europa. "Portugal tem um ecossistema único de startups energéticas", comenta Klaus Bauer, diretor de inovação da Siemens Energy. "A combinação de conhecimento académico sólido com uma mentalidade empreendedora agressiva está a produzir soluções que nem nós, com os nossos vastos recursos, tínhamos antecipado."

Enquanto isso, no Alentejo, decorre um experimento que pode transformar a forma como gerimos as redes elétricas. A EDP Distribuição instalou em Évora o primeiro "agregador virtual" do país – um sistema que coordena centenas de baterias domésticas, carros elétricos e sistemas de aquecimento para funcionarem como uma única central elétrica virtual. Quando a rede precisa de estabilidade, este agregador pode libertar ou absorver energia em milissegundos.

"Imagine ter 10.000 baterias de carros elétricos a funcionar em conjunto", explica Sofia Mendes, engenheira responsável pelo projeto. "Isso equivale a uma central a gás de média dimensão, mas com capacidade de resposta muito mais rápida e sem emissões." O projeto piloto, financiado em parte por fundos europeus, já demonstrou que pode reduzir em 30% os custos de equilíbrio da rede – aqueles que todos pagamos na fatura da luz para garantir que não há falhas no fornecimento.

O sucesso destas iniciativas está a atrair investimento estrangeiro num setor tradicionalmente dominado por grandes players. Nos últimos 18 meses, fundos de capital de risco investiram mais de 200 milhões de euros em startups portuguesas do setor energético – um recorde histórico. "Há cinco anos, os investidores internacionais nem sabiam pronunciar os nomes das nossas empresas", nota Pedro Costa, partner numa firma de venture capital com escritórios em Lisboa e Berlim. "Hoje, temos reuniões semanais com fundos de Singapura, São Francisco e Abu Dhabi interessados no que se está a fazer aqui."

Mas os desafios persistem. A burocracia continua a ser um entrave significativo, com processos de licenciamento que podem levar anos para tecnologias que evoluem em meses. "Precisamos de reguladores que compreendam a velocidade da inovação", defende Maria Santos, a investigadora das baterias de sódio. "Enquanto esperamos por autorizações, os nossos concorrentes na Coreia do Sul e na Califórnia já estão a comercializar produtos similares."

A formação de talento é outro ponto crítico. As universidades portuguesas produzem engenheiros brilhantes, mas muitos são absorvidos por multinacionais ou emigram. "Temos de criar condições para reter os nossos melhores cérebros", argumenta Miguel Andrade da WattsOn. "Isso significa salários competitivos, mas também projetos desafiadores e um ecossistema que valorize a inovação de risco."

Apesar dos obstáculos, o momentum é palpável. Na próxima semana, Lisboa receberá a primeira edição portuguesa da Energy Tech Summit, com mais de 500 participantes confirmados de 30 países. O tema do evento? "Do laboratório para o mercado: escalar as soluções energéticas do futuro." Portugal, tradicional importador de tecnologia energética, está agora a exportar conhecimento.

O que começou como investigação académica isolada transformou-se num ecossistema vibrante que está a redefinir o papel de Portugal no panorama energético global. Não através de megaprojetos faraónicos, mas sim através de inovação incremental, colaboração entre academia e indústria, e uma visão que entende que a transição energética não é apenas sobre gerar energia limpa, mas sobre geri-la de forma inteligente. A revolução pode ser silenciosa, mas as suas implicações ressoarão por décadas.

Subscreva gratuitamente

Terá acesso a conteúdo exclusivo, como descontos e promoções especiais do conteúdo que escolher:

Tags

  • energia
  • baterias
  • Inovação
  • Portugal
  • Transição Energética