Portugal encontra-se numa encruzilhada energética que define não apenas o presente, mas sobretudo o futuro do país. Enquanto celebramos os recordes de produção renovável, a realidade mostra que ainda dependemos criticamente do gás natural, especialmente nos momentos em que o sol se põe e o vento acalma.
Nos últimos meses, os dados revelam uma contradição fascinante: atingimos picos históricos de produção eólica e solar, mas simultaneamente mantivemos importações significativas de gás através do terminal de Sines. Esta dualidade expõe os desafios da transição energética – celebrar os avanços sem ignorar as vulnerabilidades que persistem.
A aposta nas renováveis tem sido notável. Parques eólicos espalhados pelas serras do interior e painéis solares que cobrem antigos terrenos agrícolas transformaram a paisagem portuguesa. Só no primeiro semestre de 2024, as renováveis representaram mais de 60% do consumo eléctrico nacional, um número que coloca Portugal na vanguarda europeia.
No entanto, quando a noite cai e o vento não sopra, as centrais a gás entram em acção. Esta dependência torna-nos vulneráveis às flutuações dos preços internacionais do gás, como ficou evidente durante a crise energética desencadeada pela guerra na Ucrânia. Os consumidores sentiram na factura eléctrica esta volatilidade, com aumentos que chegaram a ultrapassar os 30% em alguns trimestres.
O hidrogénio verde surge como a grande promessa para resolver este dilema. Projectos piloto no Sines Industrial Park pretendem transformar a antiga região industrial num hub de produção de hidrogénio a partir de energia solar. A visão é ambiciosa: exportar excedentes para o norte da Europa através de gasodutos dedicados.
Mas os desafios técnicos e económicos são enormes. Produzir hidrogénio verde ainda é significativamente mais caro que o hidrogénio cinzento (produzido a partir de gás natural), e a infraestrutura de transporte requer investimentos colossais. Especialistas alertam que sem apoios europeus robustos, estes projectos podem nunca sair do papel.
Enquanto isso, as famílias portuguesas continuam a adaptar-se. A instalação de painéis solares residenciais disparou, com vendas a aumentarem 150% face a 2022. Microprodução tornou-se não apenas uma opção ecológica, mas economicamente inteligente para muitas famílias.
O armazenamento de energia emerge como o próximo grande desafio. Baterias de grande escala e soluções de bombeamento hidroeléctrico são essenciais para guardar o excesso de produção renovável para quando mais precisamos. Projectos como o da barragem do Tâmega mostram o potencial, mas precisamos de mais e mais rápido.
A digitalização das redes eléctricas é outra peça fundamental. Redes inteligentes que permitam gerir a procura em tempo real, priorizando usos não essenciais quando a produção é baixa, podem reduzir significativamente a necessidade de backup fóssil.
O papel do consumidor transforma-se de passivo para activo nesta nova realidade. Através de tarifas dinâmicas e sistemas de gestão de energia, cada família pode tornar-se um actor consciente no sistema energético nacional.
O caminho para a independência energética total ainda é longo, mas cada painel solar instalado, cada turbina eólica que gira, nos aproxima desse objectivo. A questão não é se chegaremos lá, mas quão rápido e a que custo para os contribuintes e consumidores.
O futuro energético de Portugal escreve-se hoje, nas decisões de investimento, nas políticas públicas e nas escolhas individuais de cada cidadão. A transição está em marcha – resta saber se será justa, rápida e eficaz.
O futuro energético de Portugal: entre renováveis e dependência do gás
