O lado obscuro da energia verde: como os grandes projetos estão a falhar as comunidades locais

O lado obscuro da energia verde: como os grandes projetos estão a falhar as comunidades locais
Quando se fala em transição energética, as imagens que nos vêm à cabeça são quase sempre idílicas: painéis solares a brilhar sob um céu azul, turbinas eólicas a girar graciosamente em colinas verdejantes, e uma promessa de futuro limpo e justo para todos. Mas a realidade que encontramos no terreno, em Portugal e além-fronteiras, conta uma história diferente – uma história de promessas quebradas, benefícios desiguais e comunidades esquecidas.

Nas serras do norte de Portugal, onde os parques eólicos se multiplicam como cogumelos após a chuva, os moradores mais antigos contam como as suas terras foram adquiridas a preços irrisórios. "Venderam-nos o sonho do progresso", diz Maria, de 68 anos, enquanto aponta para as torres que dominam a paisagem da sua aldeia. "Mas o progresso ficou todo nas mãos dos de fora. Nós ficamos com o barulho constante e a sombra das pás a passar sobre as nossas casas."

Este não é um caso isolado. Investigações recentes revelam que muitos dos grandes projetos de energia renovável estão a ser desenvolvidos com uma lógica puramente financeira, ignorando o impacto social e ambiental nas regiões onde se instalam. As comunidades locais, que deveriam ser as primeiras a beneficiar desta revolução energética, são muitas vezes as últimas a ser consultadas – quando são.

A corrida ao hidrogénio verde está a criar situações semelhantes. No litoral alentejano, onde se planeia construir uma das maiores unidades de produção de hidrogénio da Europa, os pescadores tradicionais temem pelo seu futuro. "Dizem que vai trazer emprego, mas que emprego é esse?", questiona João, pescador há 40 anos. "Os meus filhos não vão trabalhar numa fábrica de hidrogénio. Vão ter de ir para a cidade, como tantos outros já foram."

O problema vai além da falta de consulta adequada. Os mecanismos de compensação são frequentemente inadequados ou inexistentes. Enquanto as empresas recebem subsídios generosos e benefícios fiscais para desenvolver estes projetos, as comunidades afetadas ficam com migalhas – quando ficam com algo. A energia que produzem viaja quilómetros para alimentar centros urbanos e indústrias distantes, enquanto as aldeias ao lado continuam a pagar contas de luz que não param de subir.

Mas há luz no fim do túnel. Em algumas regiões, as comunidades estão a organizar-se e a exigir um lugar à mesa. Cooperativas de energia renovável, propriedade e geridas localmente, estão a surgir como uma alternativa viável e mais justa. No Minho, uma pequena vila conseguiu instalar painéis solares no telhado da escola e do centro de saúde, reduzindo drasticamente as suas despesas energéticas e criando um fundo comunitário com os lucros.

Estes projetos de pequena escala mostram que é possível fazer a transição energética de forma diferente – de baixo para cima, com as pessoas no centro da equação. "Aqui, cada euro poupado na energia fica na comunidade", explica o presidente da junta local. "Reinvestimos em melhorias para todos, não em dividendos para acionistas anónimos."

O desafio que se coloca agora é político. Enquanto os governos continuarem a privilegiar os grandes players do setor energético, ignorando o potencial das soluções locais e comunitárias, a transição verde corre o risco de reproduzir as mesmas desigualdades do sistema atual. Precisamos de políticas que incentivem não apenas a produção de energia limpa, mas também a sua distribuição justa e o envolvimento genuíno das comunidades.

A verdadeira revolução energética não se mede apenas em megawatts produzidos ou em reduções de emissões de carbono. Mede-se na qualidade de vida das pessoas, na justiça da distribuição de benefícios, e na capacidade de construir um sistema energético que sirva a todos – não apenas a alguns. As tecnologias verdes existem. Falta-nos a coragem verde de as implementar de forma verdadeiramente transformadora.

Nas palavras de um ativista comunitário do interior beirão: "Não queremos ser apenas o cenário onde se desenrola a transição energética. Queremos ser os seus autores." Talvez seja essa a lição mais importante desta investigação: a energia do futuro só será verdadeiramente verde se for também democraticamente distribuída e socialmente justa. O tempo de ignorar as vozes das comunidades acabou. A revolução energética, se quiser ter sucesso, terá de ser uma revolução de e para as pessoas.

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