O lado obscuro da transição energética: como os fundos de investimento estão a moldar o nosso futuro

O lado obscuro da transição energética: como os fundos de investimento estão a moldar o nosso futuro
Num escritório com vista para o Tejo, um gestor de fundos sorri enquanto explica como o hidrogénio verde vai render mais de 20% ao ano. Do outro lado da cidade, uma família desliga o aquecimento porque a conta da luz subiu 34% em seis meses. Estas duas realidades, aparentemente desconexas, estão mais ligadas do que imaginamos. A transição energética deixou de ser apenas uma questão ambiental para se tornar no maior casino financeiro da história recente.

Enquanto os políticos discursam sobre neutralidade carbónica, os grandes fundos de investimento movem-se nos bastidores com uma agilidade que deixaria qualquer agente secreto com inveja. Compram parques solares no Alentejo, adquirem participações em empresas de baterias, especulam com créditos de carbono. Tudo legal, tudo dentro das regras. Mas quem está realmente a ganhar com esta revolução verde?

Os números são eloquentes: só no último trimestre, os investimentos em energias renováveis em Portugal ultrapassaram os 3 mil milhões de euros. Bancos internacionais, fundos soberanos, gigantes do petróleo que agora se pintam de verde – todos querem uma fatia do bolo. O problema é que o bolo não está a crescer para todos. Enquanto os grandes players festejam, as pequenas empresas de energia solar fecham as portas, esmagadas pela concorrência desleal e pela complexidade regulatória.

A ironia mais cruel desta história está nos preços que pagamos. Portugal tem dos custos de eletricidade mais altos da Europa, apesar de sermos líderes em produção renovável. Como é possível? A resposta está nos mecanismos de mercado que transformam o sol e o vento – recursos gratuitos por natureza – em produtos financeiros complexos, negociados em bolsas onde o cidadão comum nunca entrará.

Mas há uma luz no fim deste túnel sombrio. Comunidades por todo o país estão a organizar-se, criando cooperativas energéticas que devolvem o poder às pessoas. Em Monsanto, uma vila alentejana, os habitantes juntaram-se para instalar painéis solares partilhados. O resultado? Eletricidade 40% mais barata e uma sensação de autonomia que não tem preço. Estas iniciativas mostram que há alternativas ao modelo atual, mais justas e mais sustentáveis.

O verdadeiro desafio não é técnico, mas político. Precisamos de reguladores com coragem para enfrentar os gigantes financeiros, de transparência nos contratos de energia, de mecanismos que protejam os consumidores. A transição energética pode ser uma oportunidade para construir uma sociedade mais equitativa, ou pode tornar-se num novo sistema de extração de riqueza, disfarçado de verde. A escolha é nossa, mas o tempo está a esgotar-se.

Enquanto escrevo estas linhas, recebo um email de um analista financeiro que prefere não se identificar. 'Estamos a criar uma bolha verde', avisa. 'Quando rebentar, vai fazer o subprime parecer um pequeno susto.' Será exagero? Talvez. Mas uma coisa é certa: não podemos deixar que o futuro do planeta seja decidido apenas por quem vê números num ecrã, sem nunca sentir o calor do sol ou a força do vento na pele.

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