O lado oculto da transição energética: quem realmente paga a conta da descarbonização?

O lado oculto da transição energética: quem realmente paga a conta da descarbonização?
A transição energética tornou-se o mantra do século XXI, repetido em conferências climáticas e discursos políticos como se fosse uma fórmula mágica. Mas enquanto os holofotes estão virados para os painéis solares e as turbinas eólicas, há uma história que permanece nas sombras: a dos consumidores que estão a financiar esta revolução sem sequer perceber como.

Nos últimos meses, uma análise detalhada às contas de electricidade dos portugueses revela um padrão preocupante. As chamadas 'taxas e encargos' representam hoje quase 40% da factura total, quando há uma década não chegavam aos 15%. São estes valores que financiam os subsídios às renováveis, as redes inteligentes e a modernização do sistema. O problema? Poucos sabem exactamente para onde vai este dinheiro.

A investigação levou-nos aos bastidores da ERSE, onde descobrimos que os mecanismos de compensação para os produtores de energia renovável são mais complexos do que qualquer labirinto burocrático. Existem dezenas de diferentes regimes de apoio, cada um com as suas próprias regras e prazos, criando um emaranhado que só os especialistas conseguem desvendar.

Enquanto isso, as grandes empresas energéticas continuam a reportar lucros recorde. A EDP, por exemplo, viu os seus resultados líquidos crescerem 23% no último trimestre, beneficiando tanto da produção renovável como dos mecanismos de compensação que garantem rentabilidade mínima nos seus investimentos. O consumidor comum, por outro lado, vê o seu poder de compra diminuir a cada aumento na factura.

Mas a situação torna-se ainda mais complexa quando analisamos o mercado ibérico de energia. O MIBEL, criado para harmonizar os preços entre Portugal e Espanha, tem funcionado mais como um mecanismo de transferência de custos do que como um verdadeiro mercado competitivo. Nos momentos de pico de produção renovável, os preços chegam a ser negativos, mas essas poupanças raramente chegam ao consumidor final.

A digitalização do sector trouxe novas oportunidades, mas também novos desafios. Os contadores inteligentes, que deveriam ajudar os consumidores a gerir melhor o seu consumo, tornaram-se ferramentas de controlo quase perfeitas para as empresas distribuidoras. Os dados de consumo são agora um produto valioso, vendido e analisado sem que a maioria das pessoas sequer suspeite.

O hidrogénio verde surge como a nova promessa milagrosa, com investimentos anunciados na ordem dos milhares de milhões. No entanto, os especialistas com quem conversámos alertam para os riscos de criar outra bolha especulativa. Os custos de produção continuam proibitivos e a tecnologia ainda está numa fase embrionária, mas já se fala em novos mecanismos de apoio que, adivinhem, serão financiados pelos consumidores.

A questão da pobreza energética tornou-se mais urgente do que nunca. Enquanto as classes média e alta instalam painéis solares e baterias para reduzir a sua dependência da rede, as famílias mais vulneráveis continuam presas num sistema que as penaliza duplamente: pagam mais pela energia e não têm capacidade de investir em soluções alternativas.

Os planos nacionais para a energia e clima, apresentados com pompa e circunstância, escondem uma realidade menos glamorosa. As metas ambiciosas de descarbonização dependem fortemente de tecnologias que ainda não estão completamente desenvolvidas ou cujos custos reais são sistematicamente subestimados. O risco? Criar uma dependência tecnológica que poderá sair ainda mais cara no longo prazo.

A transição energética é necessária e urgente, ninguém duvida disso. Mas a forma como está a ser implementada levanta questões profundas sobre justiça social e transparência. Estaremos a construir um sistema mais sustentável ou apenas a substituir um oligopólio por outro, igualmente poderoso mas vestido de verde?

A resposta pode estar na forma como encaramos a propriedade da energia. As comunidades energéticas e a produção descentralizada surgem como alternativas promissoras, mas enfrentam barreiras regulatórias que protegem os interesses estabelecidos. Enquanto isso, o cidadão comum continua a pagar a conta sem ter voz activa nas decisões que moldam o seu futuro energético.

O que emerge desta investigação é um retrato de um sistema em transição, mas que repete muitos dos erros do passado. A concentração de poder, a opacidade nos custos e a transferência de riscos para os consumidores são padrões que precisam de ser quebrados se quisermos uma transição verdadeiramente justa e sustentável.

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