O sol português não é apenas uma bênção turística - é uma fonte de energia que nos poderia tornar independentes. Mas enquanto os telhados continuam vazios, as contas da luz não param de subir. Esta é a história de um país que tem tudo para ser uma potência renovável, mas que insiste em comprar energia cara ao estrangeiro.
Os números não mentem: Portugal recebe mais de 300 dias de sol por ano, suficiente para alimentar milhões de lares. No entanto, continuamos entre os países europeus com eletricidade mais cara. O paradoxo é tão evidente que dói: temos recursos naturais abundantes, mas pagamos como se fossem escassos.
A culpa, segundo especialistas consultados, está num sistema que privilegia os grandes players em detrimento dos pequenos produtores. As barreiras burocráticas para instalar painéis solares são tantas que muitos desistem no caminho. Enquanto isso, as grandes empresas energéticas continuam a faturar milhões.
Mas há luz no fim do túnel. As comunidades energéticas começam a surgir um pouco por todo o país, mostrando que é possível fazer diferente. Em zonas rurais, grupos de vizinhos unem-se para criar micro-redes que partilham energia limpa. Os resultados são animadores: poupanças de até 40% nas faturas e maior autonomia energética.
O governo promete simplificar os processos e acelerar a transição verde, mas as medidas concretas tardam em chegar. Enquanto esperamos por mudanças estruturais, milhares de portugueses tomam as rédeas do seu destino energético. Instalam baterias caseiras, juntam-se em cooperativas e desafiam o status quo.
O caso da freguesia de Alvito, no Alentejo, é exemplar. Uma comunidade de 200 habitantes criou a sua própria central solar e hoje produz mais energia do que consome. O excedente é vendido à rede, gerando receitas que reinvestem em melhoramentos locais. É a demonstração prática de que outro modelo é possível.
Os obstáculos, porém, persistem. A rede elétrica nacional não está preparada para a descentralização massiva. Os investimentos em smart grids são insuficientes e a legislação continua a favorecer o modelo centralizado tradicional.
Os especialistas alertam: sem uma verdadeira revolução no setor, Portugal arrisca-se a perder o comboio da transição energética. Os fundos europeus estão disponíveis, a tecnologia é acessível, falta apenas vontade política e visão de futuro.
Enquanto isso, os consumidores continuam reféns de um sistema que não responde às suas necessidades. As tarifas bi-horárias prometiam poupanças, mas na prática complicam a vida das famílias. Os descontos são mínimos e a complexidade máxima.
A solução pode passar por um modelo híbrido: combinar a produção doméstica com comunidades energéticas locais. Desta forma, cada cidadão pode ser simultaneamente consumidor e produtor, num sistema mais justo e sustentável.
O futuro energético de Portugal está a ser escrito agora. Nas escolas, onde se instalam os primeiros painéis educativos. Nos bairros sociais, que começam a beneficiar de energia mais barata. Nas empresas, que descobrem que a sustentabilidade também é boa para os negócios.
Resta saber se seremos capazes de quebrar as correntes que nos mantêm presos a um modelo ultrapassado. O sol está lá, gratuito e abundante. Só nos falta a coragem para o aproveitar plenamente.
O paradoxo energético português: como temos sol de sobra mas pagamos a luz como se não houvesse amanhã
