A factura da luz chegou e, mais uma vez, o susto. Os portugueses abrem os envelopes com aquela sensação de quem está prestes a descobrir que o carro precisa de uma reparação cara. Não é novidade, mas continua a doer. A energia em Portugal tornou-se naquela despesa que ninguém consegue evitar e que todos temem. O que está por trás desta realidade que parece não ter fim?
Nos últimos meses, enquanto os políticos discutem estratégias e as empresas garantem estar a fazer o possível, as famílias portuguesas continuam a adaptar-se. Umas desligam os aquecedores mais cedo, outras descobrem que cozinhar ao fim-de-semana para a semana toda pode fazer a diferença. São pequenos gestos que, somados, revelam uma mudança profunda na forma como encaramos o consumo energético. Não se trata apenas de poupar euros – trata-se de sobreviver num sistema que parece ter esquecido quem o sustenta.
O mercado ibérico de energia, essa entidade abstracta que tantas vezes ouvimos mencionar nos noticiários, continua a ser um dos principais factores que determina o que pagamos. A MIBEL, como é conhecida, foi criada para harmonizar os preços entre Portugal e Espanha, mas os resultados têm sido questionáveis. Especialistas apontam que, em vez de beneficiar os consumidores, o mecanismo tem perpetuado preços elevados, especialmente em períodos de menor produção renovável. Quando o sol não brilha e o vento não sopra, é o gás natural – mais caro – que entra em cena.
E falando de renováveis, Portugal tem feito um percurso notável. Somos dos países europeus com maior percentagem de energia proveniente de fontes renováveis, mas essa conquista não se reflecte necessariamente na factura. A explicação está nos custos de transição: investir em parques eólicos, painéis solares e outras infraestruturas verdes tem um preço, que é repassado aos consumidores. É o paradoxo da energia limpa – é melhor para o planeta, mas nem sempre para a carteira.
As grandes empresas do sector, como a EDP e a Galp, têm vindo a diversificar os seus negócios, apostando fortemente em soluções verdes. Enquanto isso, os pequenos consumidores ficam presos num sistema que parece desenhado para beneficiar os grandes players. Os tarifários bi-horários e tri-horários, que prometiam poupanças significativas, revelaram-se complexos e, muitas vezes, pouco vantajosos para quem não consegue adaptar completamente os seus horários de consumo.
A crise geopolítica internacional continua a pesar sobre os preços da energia em Portugal. O conflito na Ucrânia, as tensões no Médio Oriente e as incertezas nas rotas de abastecimento mantêm os mercados em alerta. Cada notícia sobre um pipeline ou um carregamento de gás natural liquefeito tem impacto directo no que pagamos meses depois. É como uma onda que nasce no outro lado do mundo e vem quebrar na nossa factura.
O governo português tem tentado mitigar estes efeitos através de medidas de apoio, como o IVA zero sobre a electricidade ou os apoios directos às famílias mais vulneráveis. No entanto, estas soluções são paliativas – tratam os sintomas, mas não a doença. A verdadeira mudança, defendem os especialistas, terá de vir de uma reforma estrutural do mercado energético e de um investimento massivo em armazenamento de energia, que permita guardar a produção renovável para quando ela é mais necessária.
Enquanto isso, os portugueses continuam a inventar soluções caseiras. As comunidades energéticas, grupos de vizinhos que instalam painéis solares partilhados, têm ganho popularidade. São iniciativas locais que mostram como, quando o sistema falha, as pessoas encontram formas de se ajudar. É uma resposta prática a um problema complexo, uma demonstração de resiliência num sector que muitas vezes parece distante da realidade das pessoas.
O futuro da energia em Portugal dependerá da nossa capacidade de equilibrar três factores: sustentabilidade ambiental, segurança de abastecimento e preços acessíveis. Não é uma equação fácil, mas é essencial. Enquanto os decisores políticos e as empresas procuram soluções de longo prazo, os portugueses continuam a fazer contas, a desligar luzes e a esperar que o próximo inverno seja mais ameno. A energia tornou-se não apenas uma utilidade, mas um termómetro do bem-estar nacional – e, por agora, a febre não baixa.
O preço da energia em Portugal: quando a factura chega e não há milagres à vista