O preço da energia está a mudar o mapa industrial de Portugal

O preço da energia está a mudar o mapa industrial de Portugal
Há uma revolução silenciosa a acontecer nas zonas industriais de Portugal, e o seu combustível não é o petróleo nem o gás, mas sim o preço da eletricidade. Enquanto os consumidores domésticos se queixam das faturas, as empresas estão a tomar decisões que vão reconfigurar o tecido económico do país para a próxima década. O que começou como um aumento temporário transformou-se num terramoto estrutural.

Nas margens do Tejo, uma fábrica de componentes automóveis que resistiu a crises financeiras e pandemias está agora a considerar deslocalizar parte da sua produção para Espanha. O motivo? Uma diferença de 30% no custo da energia industrial entre os dois lados da fronteira. "É uma questão de sobrevivência," confessa o diretor-geral, que pede anonimato. "Não estamos a falar de margens, estamos a falar de viabilidade." Este não é um caso isolado, mas sim o sintoma de uma doença que se espalha pelos setores mais intensivos em energia.

O paradoxo português é gritante: somos dos países europeus com maior capacidade de produção renovável, mas os nossos preços industriais estão entre os mais altos. A culpa, segundo especialistas contactados, está num cocktail tóxico de taxas, sobretaxas e um mercado ainda pouco integrado com o resto da Europa. Enquanto a Alemanha debate o fecho das suas últimas centrais nucleares, Portugal debate como não desperdiçar o sol e vento que tem em abundância.

Nos corredores de Bruxelas, os lobbies portugueses tentam desesperadamente incluir uma cláusula de "vantagem geográfica" nos novos pacotes energéticos. O argumento é simples: países com recursos renováveis naturais deveriam ter preços mais baixos. Mas a realidade do mercado único é mais complexa, e as regras são feitas para beneficiar a eficiência, não a geografia. Enquanto isso, os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência destinados à transição energética estão a ser aplicados, mas a um ritmo que muitos consideram insuficiente para travar a hemorragia industrial.

A nova fronteira da competitividade já não passa apenas pelos salários ou pela logística, mas pelos megawatts-hora. As empresas que investiram cedo em painéis solares e contratos de longo prazo estão agora numa posição privilegiada, enquanto as que adiaram a decisão enfrentam um precipício financeiro. Esta divisão está a criar duas classes de empresas portuguesas: as que conseguem gerir a sua energia e as que são geridas por ela.

O setor dos dados não escapou à tormenta. Os data centers, esses devoradores silenciosos de eletricidade, estão a repensar a sua expansão em Portugal. Um projeto que prometia criar 200 empregos qualificados no interior do país foi suspenso indefinidamente, não por falta de fibra ótica, mas por incerteza energética. "Os números não fecham," admite um consultor do setor. "Quando a energia representa 40% dos custos operacionais, a localização deixa de ser uma questão técnica para ser uma questão financeira."

Mas nem tudo são más notícias. A crise está a acelerar inovações que há anos estavam na gaveta. Nas serras alentejanas, um consórcio de pequenos produtores está a criar a primeira "comunidade de energia" industrial do país, partilhando excedentes de solar e eólica entre fábricas vizinhas. É um modelo que desafia as lógicas tradicionais do mercado e que, se bem-sucedido, pode servir de exemplo para outras regiões. "Estamos a reinventar a roda, mas desta vez ela é movida a sol," brinca um dos engenheiros envolvidos.

O governo promete medidas "estruturantes" para o outono, mas os empresários ouvem estas promessas com ceticismo. Já viram demasiados planos energéticos nascer e morrer nos últimos anos. Enquanto isso, os relógios não param, e cada mês de preços elevados significa mais uma empresa a considerar reduzir turnos, congelar investimentos ou, no pior dos cenários, deslocalizar.

O que está em jogo vai muito além das faturas de luz. Está em causa o tipo de indústria que Portugal quer ter no futuro: intensiva em conhecimento ou intensiva em energia? A resposta a esta pergunta está a ser escrita, mês após mês, nas salas de reuniões onde se analisam as contas da eletricidade. E, pelo andar da carruagem, muitos não vão gostar do final da história.

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