Num café movimentado de Lisboa, Maria, 68 anos, observa o movimento enquanto mexe lentamente o café. Os lábios dos outros clientes movem-se, as gargalhadas ecoam, mas para ela, é como assistir a um filme mudo. Esta cena repete-se diariamente em milhares de estabelecimentos por todo o país, onde a perda auditiva não diagnosticada cria ilhas de isolamento no meio da agitação social.
A realidade portuguesa mostra números preocupantes: cerca de 20% da população sofre de algum grau de deficiência auditiva, mas menos de metade procura ajuda. O estigma ainda persiste, associando os aparelhos auditivos à velhice e à incapacidade, quando na verdade representam liberdade e reconexão.
Os especialistas alertam para um fenómeno crescente: a perda auditiva precoce entre jovens devido ao uso excessivo de auriculares. Estudos recentes indicam que 15% dos portugueses entre 18 e 35 anos já apresentam sinais de deterioração auditiva, um número que triplicou na última década.
A tecnologia dos aparelhos auditivos modernos pouco tem a ver com os dispositivos volumosos do passado. Os modelos actuais são discretos, conectam-se smartphones e até traduzem idiomas em tempo real. No entanto, o custo continua a ser uma barreira significativa para muitas famílias portuguesas.
O impacto social vai além do indivíduo. Famílias inteiras adaptam-se à nova realidade: repetem frases, falam mais alto, evitam restaurantes barulhentos. Esta adaptação, embora bem-intencionada, pode inadvertidamente acelerar o processo de isolamento da pessoa com dificuldades auditivas.
As soluções passam por uma maior consciencialização e acesso a rastreios regulares. Muitas câmaras municipais já disponibilizam testes gratuitos, mas a adesão ainda é baixa. A chave está na educação desde cedo, nas escolas e locais de trabalho.
O futuro da saúde auditiva em Portugal depende de uma abordagem integrada que combine tecnologia acessível, políticas públicas eficazes e, acima de tudo, a quebra do silêncio que ainda envolve este tema. Porque ouvir não é apenas perceber sons - é participar plenamente na vida.
O silêncio que fala: como a perda auditiva silenciosa está a moldar as relações em Portugal
