Num país onde o fado ecoa nas vielas de Alfama e o mar quebra nas praias algarvias, a capacidade de ouvir parece ser um dado adquirido. Mas a realidade que emerge dos consultórios de audiologia e dos estudos mais recentes pinta um quadro bem diferente. A perda auditiva afeta cerca de 20% da população portuguesa, segundo dados da Organização Mundial de Saúde, mas menos de metade procura ajuda.
A verdade é que os portugueses tendem a negar os primeiros sinais de perda auditiva até que o problema se torne incapacitante. "É normal com a idade", "não é assim tão grave" ou "os aparelhos são muito caros" são as desculpas mais comuns. No entanto, a ciência mostra que a demora no tratamento pode acelerar o declínio cognitivo e levar ao isolamento social.
Os especialistas alertam para um fenómeno preocupante: a exposição excessiva ao ruído nos ambientes urbanos. Das obras nas cidades aos auriculares com volume máximo, os portugueses estão a danificar os seus ouvidos sem se aperceberem. Um estudo da Universidade do Porto revelou que 65% dos jovens entre os 18 e os 25 anos já apresentam sinais precoces de perda auditiva.
A revolução tecnológica trouxe soluções que desafiam os preconceitos. Os modernos aparelhos auditivos são discretos, conectados e inteligentes. Podem sincronizar-se com o telemóvel, filtrar ruído de fundo e até traduzir idiomas em tempo real. Já não são os dispositivos volumosos que os avós usavam, mas sim gadgets de alta tecnologia.
O custo continua a ser uma barreira significativa, mas Portugal oferece comparticipações através do Serviço Nacional de Saúde e de seguros de saúde privados. Muitas clínicas disponibilizam planos de pagamento faseado e períodos de experimentação gratuita. O investimento na audição é um investimento na qualidade de vida.
A prevenção emerge como a arma mais poderosa. Proteger os ouvidos em ambientes ruidosos, fazer pausas auditivas regulares e submeter-se a rastreios anulares a partir dos 50 anos são medidas simples mas eficazes. A deteção precoce pode preservar a audição residual e facilitar a adaptação a eventuais soluções tecnológicas.
Os avanços na investigação auditiva prometem um futuro onde a regeneração de células ciliadas possa tornar-se realidade. Enquanto isso não acontece, a consciencialização e a ação imediata são as melhores estratégias. Ouvir bem é mais do que perceber sons - é manter a ligação com o mundo e com aqueles que amamos.
A saúde auditiva não deve ser um tabu nem uma preocupação secundária. Num país de tradição oral, onde as conversas de café são instituição nacional e as festas populares enchem as praças de música, preservar a audição é preservar a própria essência da cultura portuguesa.
O silêncio que fala: desvendando os mitos e verdades sobre a saúde auditiva portuguesa
