Num café movimentado de Lisboa, Maria, 68 anos, observa o movimento enquanto segura firmemente a sua chávena. Os lábios das pessoas à sua volta movem-se, mas as palavras chegam-lhe distorcidas, como se estivesse debaixo de água. Há cinco anos que esta professora reformada navega num mundo que gradualmente se foi tornando mais silencioso, uma realidade que partilha com mais de 360 mil portugueses.
A perda auditiva não escolhe idades nem profissões. João, um engenheiro de som de 42 anos, descobriu recentemente que os anos a trabalhar em estúdios de gravação lhe roubaram parte da capacidade de ouvir frequências agudas. "É irónico", confessa, "passar a vida a criar som para depois perder a capacidade de o apreciar plenamente".
Os especialistas alertam para uma epidemia silenciosa que vai além dos números. A Organização Mundial de Saúde estima que até 2050, uma em cada quatro pessoas sofrerá de algum grau de perda auditiva. Em Portugal, os dados são preocupantes: cerca de 20% da população já experiencia dificuldades auditivas, sendo que apenas um terço procura ajuda especializada.
O que mais preocupa os otorrinolaringologistas é o impacto psicossocial da perda auditiva. Estudos recentes demonstram que a dificuldade em ouvir está diretamente ligada ao isolamento social, depressão e mesmo ao declínio cognitivo acelerado. "O cérebro que não ouve é um cérebro que envelhece mais rápido", explica a Dra. Sofia Martins, especialista em audiologia do Hospital de Santa Maria.
A tecnologia trouxe consigo uma revolução discreta mas transformadora. Os aparelhos auditivos modernos são pequenas maravilhas da engenharia, capazes de se conectarem a smartphones, televisões e até sistemas de som domésticos. "Já não são aqueles aparelhos grandes e visíveis dos nossos avós", comenta Carlos Silva, técnico de audiologia com 25 anos de experiência. "Hoje temos dispositivos quase invisíveis, com inteligência artificial que se adapta automaticamente a diferentes ambientes sonoros".
Mas a tecnologia por si só não resolve o estigma social que ainda rodeia a perda auditiva. Muitos pacientes adiam durante anos a procura de ajuda, com receio de serem rotulados como "velhos" ou "deficientes". Esta resistência tem custos elevados: quanto mais tempo se espera, mais difícil se torna a adaptação aos aparelhos e a reabilitação auditiva.
A prevenção emerge como a arma mais poderosa contra esta epidemia silenciosa. Especialistas recomendam check-ups auditivos regulares a partir dos 50 anos, proteção auditiva em ambientes ruidosos e atenção aos primeiros sinais de alerta: dificuldade em acompanhar conversas em grupo, necessidade de aumentar o volume da televisão ou a sensação de que as pessoas murmuram.
O futuro da saúde auditiva promete avanços surpreendentes. Investigadores portugueses estão na vanguarda do desenvolvimento de terapias genéticas e regenerativas que poderão, num futuro próximo, restaurar a audição natural. Enquanto isso não acontece, a mensagem é clara: ouvir bem é viver melhor, e cuidar da audição é cuidar da qualidade de vida.
Num mundo cada vez mais barulhento, talvez a maior sabedoria esteja em aprender a valorizar o silêncio sem deixar de apreciar a música da vida que nos rodeia. Como dizia o poeta, "há sons que só se ouvem quando se cala o ruído do mundo" - e talvez seja precisamente essa a lição que a perda auditiva nos vem ensinar.
O som do silêncio: como a perda auditiva silenciosa está a mudar as nossas relações
