O som do silêncio: quando a perda auditiva nos rouba as conversas que mais importam

O som do silêncio: quando a perda auditiva nos rouba as conversas que mais importam
O primeiro sinal costuma ser subtil. Um pedido de repetição aqui, um 'o quê?' ali. Depois, vem a sensação desconfortável em ambientes ruidosos, onde as vozes se misturam num caldo sonoro indistinto. Por fim, o isolamento social começa a instalar-se, quase imperceptivelmente, como uma teia que vai envolvendo quem sofre de perda auditiva não tratada.

Em Portugal, estima-se que mais de um milhão de pessoas convivam com algum grau de deficiência auditiva. No entanto, menos de 30% utilizam aparelhos auditivos. Porquê? O estigma social, o custo elevado e a falta de informação continuam a ser barreiras difíceis de ultrapassar. Muitos ainda associam estes dispositivos à velhice, ignorando que problemas auditivos podem afetar pessoas de todas as idades.

A tecnologia dos aparelhos auditivos modernos é verdadeiramente revolucionária. Já não estamos a falar daqueles dispositivos volumosos que as nossas avós usavam. Os modelos atuais são discretos, inteligentes e adaptam-se automaticamente a diferentes ambientes sonoros. Alguns conectam-se diretamente ao telemóvel, permitindo ao utilizador ajustar as definições através de uma aplicação ou até mesmo atender chamadas como se fosse um auricular Bluetooth.

O processo de adaptação a um aparelho auditivo não é instantâneo. Requer paciência e acompanhamento especializado. Nos primeiros dias, o cérebro precisa de se reacostumar a ouvir sons que há muito não processava. O tilintar das chaves, o barulho do trânsito, o canto dos pássaros - tudo soa excessivamente alto inicialmente. Mas com o tempo, o cérebro reaprende a filtrar o que é importante.

Muitos portugueses desconhecem que têm direito a comparticipações do Estado na aquisição de aparelhos auditivos. O Serviço Nacional de Saúde comparticipa parte do valor, embora existam listas de espera consideráveis. No setor privado, as seguradoras começam a incluir estes dispositivos nos seus pacotes de saúde, reconhecendo o seu impacto na qualidade de vida.

A relação entre perda auditiva e declínio cognitivo é cada vez mais estudada pela comunidade científica. Quando o cérebro deixa de receber estímulos sonoros adequados, começa a atrofiar-se mais rapidamente. Usar aparelhos auditivos não é apenas uma questão de voltar a ouvir bem - é uma medida preventiva contra doenças como a demência.

Nas crianças, a deteção precoce de problemas auditivos é crucial para o desenvolvimento da linguagem e do desempenho escolar. Programas de rastreio auditivo neonatal existem em Portugal, mas a continuidade desses cuidados ao longo do crescimento nem sempre é garantida. Muitos pais só percebem que os filhos têm dificuldades auditivas quando começam a ter problemas na escola.

O ambiente profissional é outro cenário onde a perda auditiva não tratada causa estragos. Reuniões tornam-se um martírio, chamadas telefónicas uma fonte de ansiedade. Muitos profissionais escondem o problema por medo de discriminação, desenvolvendo estratégias de compensação que exigem um esforço mental exaustivo.

A manutenção dos aparelhos auditivos é simples mas essencial. A cera dos ouvidos, a humidade e o pó são os principais inimigos destes dispositivos. Limpeza diária, troca regular de filtros e armazenamento adequado prolongam significativamente a sua vida útil. Muitas pessoas não sabem que os aparelhos precisam de revisões periódicas, tal como os nossos dentes precisam do dentista.

O futuro da audição promete avanços ainda mais extraordinários. Investigadores trabalham em aparelhos que não apenas amplificam o som, mas que conseguem traduzir línguas em tempo real, identificar sons específicos (como o choro de um bebé ou o toque da campainha) e até mesmo monitorizar parâmetros de saúde como a frequência cardíaca.

Enquanto isso, a melhor forma de preservar a audição continua a ser a prevenção. Evitar a exposição a ruídos intensos, usar proteção auditiva em ambientes barulhentos e fazer exames regulares são hábitos que todos devíamos cultivar. Porque a capacidade de ouvir não é apenas sobre sons - é sobre conexão, sobre partilha, sobre estar presente na vida daqueles que amamos.

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