Num país onde o fado ecoa pelas ruas estreitas de Lisboa e o mar quebra nas praias do Algarve, a capacidade de ouvir torna-se mais do que um sentido - é uma ponte para a nossa cultura, para as nossas memórias, para a vida em comunidade. No entanto, milhares de portugueses enfrentam diariamente o desafio silencioso da perda auditiva, um problema que vai muito além da simples dificuldade em escutar.
A realidade é surpreendente: segundo dados recentes, cerca de 30% da população portuguesa acima dos 65 anos sofre de algum grau de perda auditiva. Mas este não é apenas um problema da terceira idade. Jovens que frequentam concertos, trabalhadores expostos a ruído constante e até crianças com problemas congénitos - todos podem ser afetados por esta condição que, muitas vezes, passa despercebida até ser tarde demais.
O que poucos sabem é que a perda auditiva não tratada tem consequências que vão muito além do isolamento social. Estudos recentes mostram uma ligação direta entre problemas auditivos não corrigidos e o declínio cognitivo. O cérebro, quando privado de estímulos sonoros, começa a "desligar" certas funções, acelerando processos como a demência e a perda de memória. É como se, ao perdermos a capacidade de ouvir, estivéssemos a desconectar partes essenciais da nossa mente.
Mas há esperança no horizonte. A tecnologia dos aparelhos auditivos evoluiu de forma extraordinária nos últimos anos. Já não falamos daqueles dispositivos volumosos e pouco discretos que os nossos avós usavam. Os modernos aparelhos são pequenas maravilhas da engenharia - alguns do tamanho de uma ervilha, completamente invisíveis no canal auditivo, capazes de se conectarem a smartphones e de filtrar automaticamente o ruído de fundo em ambientes barulhentos.
A verdadeira revolução, porém, não está apenas na tecnologia, mas na forma como encaramos a saúde auditiva. Em Portugal, começamos finalmente a perceber que cuidar da audição não é diferente de cuidar da visão ou da saúde dental. Deve ser parte integrante dos nossos cuidados de saúde preventivos, com consultas regulares e atenção aos primeiros sinais de alerta.
Um dos maiores desafios que enfrentamos é o preconceito. Muitas pessoas ainda associam o uso de aparelhos auditivos ao envelhecimento, como se fosse uma bandeira da velhice que preferem não hastear. Esta mentalidade precisa de mudar. Usar um aparelho auditivo hoje é como usar óculos - uma solução inteligente para manter a qualidade de vida, independentemente da idade.
As crianças representam um caso particularmente sensível. Problemas auditivos não diagnosticados na infância podem ter impactos devastadores no desenvolvimento da linguagem, no desempenho escolar e na socialização. Por isso, o rastreio auditivo neonatal tornou-se obrigatório em Portugal, uma medida preventiva que pode mudar completamente o futuro de uma criança.
Para os adultos, os sinais de alerta são mais subtis do que se imagina. Não é preciso estar completamente surdo para beneficiar de ajuda. Se precisa de aumentar constantemente o volume da televisão, se tem dificuldade em acompanhar conversas em ambientes ruidosos, se pede frequentemente às pessoas para repetirem o que disseram - estes podem ser os primeiros indícios de que a sua audição precisa de atenção.
A boa notícia é que o Sistema Nacional de Saúde oferece apoio para o diagnóstico e, em muitos casos, para a aquisição de aparelhos auditivos. Existem também várias organizações que prestam apoio e informação, ajudando as pessoas a navegar pelo processo de reabilitação auditiva.
Mas talvez o aspecto mais fascinante desta jornada seja redescobrir os sons que tínhamos esquecido. Pacientes que voltam a usar aparelhos após anos de isolamento sonoro descrevem experiências emocionantes: ouvir novamente o chilrear dos pássaros, o riso dos netos, a melodia das suas músicas preferidas. São momentos de redescoberta que vão muito além da simples função auditiva - são reconexões com a vida.
No final, a saúde auditiva trata-se de qualidade de vida. Trata-se de poder participar plenamente nas conversas de família, de apreciar a música que nos move, de ouvir as ondas do mar que tanto amamos. Num país com tanta riqueza sonora como Portugal, preservar esta capacidade é preservar parte da nossa essência.
E você? Quando foi a última vez que pensou na sua audição? Talvez seja altura de dar ouvidos a este assunto.
O som que nos conecta: uma jornada pela saúde auditiva em Portugal