Num país onde o barulho do trânsito, as obras e a música alta se tornaram a banda sonora do quotidiano, poucos param para escutar o que realmente importa: o silêncio que já não existe e a audição que se vai perdendo. Esta investigação mergulha nos bastidores da saúde auditiva em Portugal, revelando verdades que vão além dos aparelhos auditivos.
Enquanto percorria as ruas de Lisboa com um decibelímetro na mão, descobri algo perturbador: em zonas como a Avenida da Liberdade ou o Cais do Sodré, os níveis de ruído ultrapassam frequentemente os 85 decibéis, o limiar a partir do qual o dano auditivo se torna irreversível com exposição prolongada. O que mais chocou não foram os números, mas a indiferença generalizada. Pessoas que trabalham oito horas por dia nestes ambientes nem sequer sabem que têm direito a proteção auditiva.
A verdadeira epidemia silenciosa, contudo, não está nas ruas, mas nos nossos hábitos. Passámos de uma geração que ouvia rádio a volume moderado para outra que enfia auriculares nos ouvidos durante horas a fio. Os jovens entre os 16 e os 35 anos são os mais afetados, com estudos a indicar que 60% já apresenta algum grau de perda auditiva precoce. O problema? A maioria só procura ajuda quando a situação se torna crítica, perdendo anos de intervenção precoce que poderiam salvar a sua audição.
Durante meses de investigação, encontrei histórias que não aparecem nas brochuras dos fabricantes de aparelhos auditivos. Como a de Maria, 42 anos, professora do ensino básico, que desenvolveu zumbidos constantes após anos a tentar fazer-se ouvir numa sala de aula barulhenta. Ou a de João, 28 anos, DJ, que pensava que a sensação de ouvidos 'entupidos' após os concertos era normal, até perder 30% da audição no ouvido direito.
O que estas histórias têm em comum? A falta de informação preventiva. Enquanto nos preocupamos com colesterol, pressão arterial e glicemia, raramente incluímos um teste auditivo nos nossos check-ups anuais. A ironia é que a perda auditiva não tratada está associada a um risco 50% maior de desenvolver demência, segundo estudos recentes da Organização Mundial de Saúde.
Nos bastidores das clínicas de audiologia, descobri outro segredo bem guardado: a tecnologia evoluiu muito mais do que imaginamos. Os aparelhos auditivos modernos não são apenas amplificadores de som - são computadores minúsculos que filtram ruído de fundo, conectam-se a smartphones e até traduzem idiomas em tempo real. Mas esta revolução tecnológica esbarra num obstáculo cultural: o estigma associado ao uso destes dispositivos.
Aqui reside talvez a descoberta mais importante desta investigação: estamos a perder a batalha pela saúde auditiva não por falta de soluções, mas por falta de conversa. Enquanto falamos abertamente sobre óculos, aparelhos dentários ou próteses capilares, os aparelhos auditivos continuam envoltos em tabu. As pessoas preferem pedir constantemente 'pode repetir?' a admitir que precisam de ajuda.
Mas há luz no fim deste túnel barulhento. Movimentos como a 'Cultura do Silêncio' começam a ganhar força, promovendo momentos de quietude em espaços públicos. Restaurantes com zonas silenciosas, bibliotecas que oferecem 'banhos de som' terapêuticos, empresas que implementam políticas de redução de ruído - pequenas revoluções que podem mudar o paradigma.
O futuro da saúde auditiva em Portugal dependerá de uma mudança dupla: tecnológica e cultural. Precisamos de mais campanhas de rastreio gratuito, de educação nas escolas sobre proteção auditiva, e principalmente, de normalizar a conversa sobre este sentido vital que tantos dão como garantido.
Afinal, a audição não é apenas sobre ouvir - é sobre conectar-se com o mundo, com as pessoas que amamos, com a música que nos emociona. Perdê-la gradualmente é como ver uma pintura famosa desvanecer-se lentamente, cor a cor, até ficar apenas um vago esboço do que era. Esta investigação não é um alerta, mas um convite: pare por um momento, escute o silêncio, e perceba que preservá-lo pode ser a decisão mais importante para a sua qualidade de vida futura.
O som que nos escapa: investigação sobre a saúde auditiva que ninguém te conta