Há um mundo de sons que nos rodeia, mas poucos param para pensar como seria a vida sem conseguir ouvir o canto dos pássaros pela manhã, o riso dos netos ou mesmo o simples tilintar das chaves. A perda auditiva não acontece de um dia para o outro – é um ladrão silencioso que vai roubando pedaços do nosso mundo sonoro sem que nos apercebamos.
Muitos portugueses vivem anos sem diagnosticar problemas auditivos, atribuindo as dificuldades a 'falta de atenção' ou 'barulho ambiente'. A verdade é que a nossa sociedade tornou-se progressivamente mais ruidosa, e os nossos ouvidos pagam o preço. Desde o trânsito citadino até aos headphones com volume excessivo, estamos constantemente a testar os limites da nossa capacidade auditiva.
O que poucos sabem é que o cérebro começa a compensar a perda auditiva muito antes de nos darmos conta. Tornamo-nos especialistas em leitura labial sem sequer sabermos, preenchemos lacunas nas conversas com o contexto e vamos gradualmente nos afastando de situações sociais que se tornam desgastantes. É um processo subtil de isolamento que começa nos ouvidos e termina no coração.
As estatísticas são alarmantes: em Portugal, estima-se que mais de 30% das pessoas com mais de 65 anos sofrem de perda auditiva significativa. Mas o problema não é exclusivo dos mais velhos – jovens cada vez mais cedo apresentam sinais de dano auditivo permanente devido à exposição a volumes elevados em concertos, discotecas e através do uso de auriculares.
A tecnologia moderna trouxe consigo uma revolução discreta no mundo dos aparelhos auditivos. Já não são aqueles dispositivos volumosos e pouco discretos que os nossos avós usavam. Hoje, os aparelhos são pequenas maravilhas da engenharia, praticamente invisíveis, com conectividade Bluetooth, capacidades de filtragem de ruído e até mesmo tradução em tempo real. São como ter um assistente pessoal dentro do ouvido.
Mas porque é que tantas pessoas resistem a usar aparelhos auditivos quando precisam? O estigma social ainda pesa bastante. Muitos associam os aparelhos à velhice ou à incapacidade, quando na verdade deveriam ser vistos como acessórios de tecnologia avançada que melhoram a qualidade de vida, tal como os óculos ou o smartphone.
O processo de adaptação a um aparelho auditivo é fascinante. Nos primeiros dias, os utilizadores frequentemente ficam sobrecarregados com sons que há muito tinham esquecido – o tic-tac do relógio, o som dos próprios passos, o barulho do frigorífico. É como redescobrir um sentido que se tinha adormecido. O cérebro precisa de tempo para se reajustar a esta nova riqueza sonora.
A saúde auditiva está intrinsecamente ligada à saúde cognitiva. Estudos recentes mostram que a perda auditiva não tratada acelera o declínio cognitivo e aumenta o risco de demência. Manter os ouvidos ativos é, portanto, não apenas uma questão de comunicação, mas de preservação das faculdades mentais.
A prevenção continua a ser a melhor arma. Proteger os ouvidos em ambientes ruidosos, fazer pausas auditivas após exposição a sons intensos e realizar check-ups regulares deveriam ser hábitos tão comuns como escovar os dentes. A audição é um bem precioso que, uma vez perdido, raramente pode ser totalmente recuperado.
Para quem já vive com perda auditiva, a boa notícia é que nunca houve tantas opções eficazes e discretas disponíveis. Desde aparelhos totalmente invisíveis que se colocam profundamente no canal auditivo até dispositivos que se conectam diretamente ao telemóvel, há soluções para todos os gostos e necessidades.
O mais importante é não normalizar a dificuldade em ouvir. Se tem de pedir constantemente para repetirem o que disseram, se aumenta excessivamente o volume da televisão ou se evita conversas em grupo porque se sente sobrecarregado, pode ser hora de consultar um especialista. Recuperar a capacidade de ouvir é recuperar pedaços da vida que estavam a escapar.
No fundo, cuidar da audição é cuidar das nossas conexões com o mundo e com as pessoas que amamos. Cada conversa ouvida com clareza, cada riso partilhado, cada melodia apreciada – estes são os sons que compõem a banda sonora das nossas vidas. E merecem ser preservados.
O som que nos escapa: quando a audição começa a falhar