O som que nos une: uma jornada pela saúde auditiva em Portugal

O som que nos une: uma jornada pela saúde auditiva em Portugal
O silêncio nunca foi tão caro. Num mundo cada vez mais barulhento, a capacidade de ouvir tornou-se um bem precioso que muitos só valorizam quando começa a escassear. Em Portugal, onde o fado e as conversas de café fazem parte da identidade nacional, a perda auditiva não é apenas uma questão médica - é uma ameaça à nossa forma de estar.

Nas ruas de Lisboa, o som dos elétricos é tão característico quanto o cheiro a castanhas assadas no outono. Mas quantos de nós param para pensar que esse mesmo som, quando excessivo, pode estar a danificar irremediavelmente as nossas células ciliadas? A verdade é que a poluição sonora tornou-se a epidemia silenciosa do século XXI, e Portugal não é exceção.

Os números contam uma história preocupante. Segundo dados recentes, cerca de 20% da população portuguesa sofre de algum tipo de perda auditiva. O que mais assusta é que muitos nem sequer sabem - vivem num mundo progressivamente mais abafado, atribuindo as dificuldades de comunicação ao stress ou ao cansaço.

A tecnologia trouxe-nos fones de última geração e streaming de alta qualidade, mas também nos prendeu a dispositivos que bombardeiam os nossos tímpanos com decibéis perigosos. Os jovens são as maiores vítimas desta revolução tecnológica - estudos mostram que a geração millennial apresenta sinais de perda auditiva equivalentes aos dos seus avós.

Mas nem tudo são más notícias. A ciência tem feito progressos extraordinários na área da saúde auditiva. Os aparelhos auditivos modernos são pequenas maravilhas da tecnologia - discretos, inteligentes e capazes de se adaptarem automaticamente a diferentes ambientes sonoros. Já não são aqueles aparelhos volumosos que os nossos avós usavam, mas sim dispositivos elegantes que se conectam aos nossos smartphones e nos permitem personalizar a nossa experiência auditiva.

O problema é que o estigma persiste. Muitos portugueses resistem à ideia de usar aparelhos auditivos, vendo-os como um símbolo de velhice ou incapacidade. Esta perceção precisa de mudar urgentemente, porque a perda auditiva não tratada tem consequências que vão muito além da dificuldade em ouvir.

Investigadores descobriram ligações alarmantes entre a perda auditiva e o declínio cognitivo. O cérebro, quando privado de estímulos sonoros, começa a atrofiar-se mais rapidamente. A solidão e o isolamento social são outras consequências frequentes - quem não ouve bem tende a evitar situações sociais, criando um ciclo vicioso de isolamento.

A prevenção é a nossa maior arma. Proteger os ouvidos em ambientes ruidosos, fazer pausas regulares do uso de fones e realizar exames auditivos periódicos deveriam ser hábitos tão comuns como escovar os dentes. Mas a realidade é que a maioria dos portugueses só procura ajuda quando o problema já está instalado.

O sistema nacional de saúde oferece algumas soluções, mas as listas de espera são longas e a comparticipação nem sempre cobre os aparelhos mais modernos. É aqui que o setor privado tem um papel crucial a desempenhar, oferecendo soluções acessíveis e acompanhamento personalizado.

A reabilitação auditiva é outro aspeto frequentemente negligenciado. Usar um aparelho auditivo pela primeira vez pode ser uma experiência desconcertante - sons que há muito não se ouviam regressam de repente, criando uma sobrecarga sensorial. Um bom acompanhamento é essencial para ajudar o cérebro a readaptar-se aos sons que tinha esquecido.

Nas escolas, a educação sobre saúde auditiva ainda é insuficiente. As crianças aprendem sobre higiene oral e alimentação saudável, mas raramente sobre como proteger os seus ouvidos. Esta lacuna educativa tem consequências a longo prazo que só se manifestarão décadas mais tarde.

O local de trabalho é outro cenário de risco. Muitas profissões expõem os trabalhadores a níveis sonoros perigosos, desde a construção civil até às fábricas. A legislação portuguesa estabelece limites, mas a fiscalização nem sempre é eficaz e a cultura de prevenção ainda não está enraizada.

Curiosamente, a pandemia veio trazer alguns benefícios inesperados para a saúde auditiva. O teletrabalho reduziu a exposição ao ruído dos escritórios e das deslocações, enquanto as videochamadas forçaram muitas pessoas a prestar mais atenção à qualidade do som.

O futuro da saúde auditiva em Portugal depende de uma abordagem integrada que combine prevenção, diagnóstico precoce, tratamento adequado e reabilitação. Precisamos de falar mais abertamente sobre este tema, quebrar tabus e criar uma cultura de cuidado auditivo.

Afinal, a capacidade de ouvir não é apenas sobre sons - é sobre conexão. É sobre conseguir ouvir o riso dos netos, a música que nos emociona, as palavras de amor. Num país onde a palavra falada tem tanto peso, preservar a audição é preservar a nossa humanidade.

As soluções existem, a tecnologia evoluiu e o conhecimento está disponível. Resta-nos agir antes que o silêncio se torne irreversível. Porque no fim do dia, o som que mais importa é aquele que nos une aos outros - e vale a pena lutar para não o perder.

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