Há sons que nos definem como portugueses. O arrastar das ondas nas praias do Algarve, o tilintar dos copos nas tasquinhas de Lisboa, o canto melancólico do fado nas vielas da Mouraria. Estes sons não são apenas ruído de fundo - são a banda sonora das nossas vidas, os fios invisíveis que nos ligam à nossa terra e à nossa gente.
Mas quantos de nós param para pensar na importância destes sons? Quantos refletem sobre como a nossa capacidade de os ouvir molda a nossa experiência do mundo? A verdade é que a audição é um dos sentidos mais subvalorizados, até ao dia em que começa a falhar. E quando isso acontece, percebemos que perdemos muito mais do que a capacidade de ouvir - perdemos conexões, memórias, pedaços da nossa identidade.
A ciência tem revelado descobertas fascinantes sobre a relação entre audição e bem-estar. Estudos recentes mostram que a perda auditiva não tratada está diretamente ligada ao isolamento social, à depressão e até ao declínio cognitivo. O cérebro, privado dos estímulos sonoros, começa a atrofiar-se, como um músculo que deixou de ser usado. E o mais preocupante? Muitas pessoas levam até sete anos a procurar ajuda após notarem os primeiros sinais de perda auditiva.
Em Portugal, o cenário é particularmente preocupante. Dados da Organização Mundial de Saúde indicam que cerca de 20% da população portuguesa sofre de algum grau de perda auditiva. Nas zonas rurais, onde o acesso a cuidados de saúde especializados é mais limitado, muitos vivem anos em silêncio progressivo, adaptando-se a uma realidade cada vez mais isolada.
Mas há esperança no horizonte. A tecnologia dos aparelhos auditivos evoluiu de forma extraordinária nos últimos anos. Já não estamos a falar daqueles dispositivos volumosos que os nossos avós usavam. Os modernos aparelhos são pequenas maravilhas da engenharia, capazes de se conectarem a smartphones, filtrar ruído de fundo e até traduzir línguas em tempo real.
O problema é que muitas pessoas ainda associam os aparelhos auditivos a estigma e incapacidade. É uma perceção que precisa urgentemente de mudar. Usar um aparelho auditivo hoje é como usar óculos - não é sinal de fraqueza, mas sim de cuidado com a saúde. E os benefícios vão muito além de simplesmente ouvir melhor.
Imagine poder voltar a participar plenamente nas conversas de família durante o almoço de domingo. Ou conseguir apreciar novamente os matizes da guitarra portuguesa numa casa de fado. Estas não são experiências menores - são momentos que definem quem somos e como nos relacionamos com os outros.
A prevenção, claro, continua a ser a melhor estratégia. Em Portugal, onde a tradição das festas populares e dos concertos ao ar livre é tão forte, é crucial educar as pessoas sobre a proteção auditiva. Os jovens, em particular, precisam de entender que os fones com volume excessivo hoje podem significar dificuldades auditivas amanhã.
Mas a saúde auditiva não se resume apenas a prevenir danos. Há todo um mundo de sons que podemos aprender a apreciar melhor. A musicoterapia, por exemplo, tem mostrado resultados promissores no tratamento de diversas condições, desde o stress até doenças neurodegenerativas. O som, quando bem utilizado, pode ser uma poderosa ferramenta de cura.
Nas empresas portuguesas, começa a surgir uma nova consciência sobre a importância dos ambientes acústicos. Escritórios com menos ruído não são apenas mais confortáveis - são mais produtivos. E para os muitos portugueses que trabalham em ambientes ruidosos, desde a construção civil até às fábricas, a proteção auditiva adequada pode fazer a diferença entre uma carreira longa e uma reforma antecipada por incapacidade.
O que mais me impressiona, enquanto investigo este tema, é como a audição está ligada a praticamente todos os aspetos da nossa vida. Afeta a forma como aprendemos (quantas crianças com dificuldades auditivas não diagnosticadas são erroneamente classificadas como tendo problemas de atenção?), como trabalhamos e, sobretudo, como nos relacionamos.
Nos lares de idosos, por exemplo, a implementação de sistemas de amplificação sonora tem transformado vidas. Pessoas que estavam isoladas há anos voltam a participar nas atividades, a conversar com os outros residentes, a rir-se das piadas. É como se tivessem sido devolvidas à comunidade.
E falando de comunidade, não posso deixar de mencionar o papel crucial das associações de apoio em Portugal. Organizações como a Audio e Saúde têm feito um trabalho notável na sensibilização e no apoio a pessoas com problemas auditivos. São estas redes de solidariedade que fazem a diferença entre simplesmente sobreviver e viver plenamente.
O futuro da saúde auditiva em Portugal parece promissor. Com o avanço da telemedicina, pessoas em zonas remotas podem agora ter acesso a consultas de especialidade sem precisarem de viajar horas. As aplicações de triagem auditiva permitem que qualquer pessoa faça um primeiro teste em casa. E a investigação em regeneração celular pode, um dia, permitir curar danos que hoje consideramos irreversíveis.
Mas enquanto esse futuro não chega, há muito que podemos fazer. Fazer exames auditivos regulares, usar proteção em ambientes ruidosos, e, acima de tudo, perder o medo de procurar ajuda quando notamos que algo não está bem.
Porque no fundo, cuidar da nossa audição não é apenas cuidar de um sentido - é cuidar da nossa capacidade de nos conectarmos com o mundo e com os outros. É preservar os sons que nos fazem portugueses, desde o chilrear dos pássaros nos montes alentejanos até ao bulício característico das cidades. São estes sons que tecem a tapeçaria sonora das nossas vidas - e merecem ser ouvidos, em toda a sua plenitude, por muitos e longos anos.
O som que nos une: uma viagem pelos sons de Portugal e pela saúde auditiva