Quando a Comissão Europeia anunciou as novas diretivas de sustentabilidade para o setor segurador, muitos agentes do ramo respiraram fundo. Mas o que realmente significa esta revolução verde para o bolso dos portugueses? A resposta é mais complexa do que os comunicados de imprensa sugerem.
Nos bastidores das seguradoras, os departamentos de risco estão a recalcular tudo. Desde o prémio do seguro automóvel para quem conduz um veículo elétrico até às apólices de habitação em zonas costeiras ameaçadas pela subida do nível do mar. Os números que circulam nas salas de reuniões pintam um cenário de transformação profunda - e cara.
O caso dos seguros de saúde é particularmente revelador. As companhias começam a incorporar nos seus algoritmos dados sobre qualidade do ar, acesso a espaços verdes e até hábitos alimentares regionais. Um estudo interno de uma grande seguradora, ao qual tivemos acesso, mostra que os residentes em zonas urbanas com baixa qualidade ambiental poderão ver os seus prémios aumentarem até 15% nos próximos três anos.
Mas há uma faceta ainda mais preocupante: o chamado 'risco de transição'. À medida que o país avança para a descarbonização, muitos negócios tradicionais enfrentam obsolescência acelerada. As seguradoras estão a retirar-se silenciosamente de sectores considerados de alto risco climático, deixando empresas inteiras sem cobertura adequada.
Os seguros agrícolas tornaram-se num campo de batalha particularmente acirrado. Com as alterações climáticas a provocarem fenómenos extremos com frequência crescente, as seguradoras impõem condições cada vez mais restritivas. Muitos agricultores confessam, em off, que já não conseguem segurar as suas culturas contra certos riscos climáticos - ou que o custo se tornou proibitivo.
No mercado imobiliário, assistimos a uma divisão geográfica cada vez mais acentuada. Propriedades em zonas de risco elevado de incêndio ou inundação enfrentam não só prémios mais altos, mas também franquias que podem chegar aos 20% do valor da cobertura. Bancos começam a hesitar em conceder crédito habitação para imóveis nestas localizações, criando um efeito dominó no mercado.
A digitalização traz outra camada de complexidade. As seguradoras recolhem agora dados em tempo real através de dispositivos IoT, desde caixas negras nos carros a sensores em casa. Esta vigilância constante promete prémios mais baixos para quem adota comportamentos 'seguros', mas levanta questões profundas sobre privacidade e autonomia.
Os trabalhadores independentes e pequenas empresas sentem o peso desta transformação de forma particularmente dura. Sem o poder negocial das grandes corporações, enfrentam aumentos de prémios que em alguns casos ultrapassam os 30% anuais. Muitos confessam estar a considerar reduzir coberturas essenciais para fazer face aos custos.
O setor dos seguros de responsabilidade civil profissional está em ebulição. Profissionais como arquitetos, engenheiros e consultores veem as suas apólices a incorporar cláusulas específicas sobre conformidade ambiental. Um erro de cálculo nas emissões de carbono de um projeto pode significar não só multas regulatórias, mas também a perda da cobertura de seguros.
As seguradoras defendem que estas mudanças são necessárias para a sustentabilidade do próprio sistema. Argumentam que sem estes ajustes, todo o modelo de seguro colapsaria face à frequência e intensidade crescentes dos eventos climáticos extremos. Mas críticos apontam que as companhias estão a usar a sustentabilidade como desculpa para aumentar lucros em setores já altamente rentáveis.
O que parece claro é que estamos perante uma redefinição silenciosa do contrato social entre seguradoras e segurados. As regras estão a mudar rapidamente, mas a informação chega aos consumidores de forma fragmentada e muitas vezes incompleta. Num mundo cada vez mais imprevisível, a capacidade de nos protegermos contra riscos torna-se simultaneamente mais crucial e mais elusiva.
Os próximos meses serão decisivos. À medida que as novas diretivas europeias começam a ser implementadas, veremos se o discurso da sustentabilidade se traduz em práticas justas - ou se servirá principalmente para justificar aumentos generalizados que pouco têm a ver com proteção ambiental e muito com maximização de lucros.
O que os seguros não te contam sobre as novas regras de sustentabilidade
