Num país onde quase todos temos pelo menos um seguro - automóvel, saúde, vida ou habitação - poucos são os que realmente compreendem as letras pequenas que assinam. As seguradoras portuguesas movimentam milhares de milhões todos os anos, mas a transparência continua a ser um luxo que poucos consumidores podem pagar.
Os contratos de seguro são documentos complexos, repletos de cláusulas que parecem escritas em código. A maioria dos portugueses assina sem ler, confiando que, em caso de necessidade, estarão protegidos. A realidade, porém, é frequentemente diferente. As exclusões escondidas nos parágrafos menos visíveis podem transformar uma apólice que parecia abrangente num documento praticamente inútil quando mais precisamos dele.
A indústria seguradora em Portugal tem vindo a sofrer transformações profundas. A digitalização trouxe conveniência, mas também novos riscos. Os seguros online, apesar de mais baratos, muitas vezes oferecem coberturas reduzidas que só se descobrem quando ocorre um sinistro. As comparações entre seguradoras tornaram-se mais fáceis, mas a verdade sobre o que realmente está coberto permanece nebulosa.
Um dos segredos mais bem guardados do setor é a forma como as seguradoras calculam os prémios. Factores como o código postal, o histórico de pesquisas na internet e até as redes sociais podem influenciar o valor que pagamos. Os algoritmos que determinam o risco individual tornaram-se tão complexos que nem os próprios mediadores conseguem explicá-los completamente.
A regulação do setor tem evoluído, mas a velocidade das mudanças legislativas não acompanha a criatividade das seguradoras para encontrar novas formas de limitar a sua responsabilidade. A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) tem aumentado a sua fiscalização, mas os recursos são limitados face à dimensão do mercado.
Os seguros de saúde merecem atenção especial. Com o Serviço Nacional de Saúde sob pressão, cada vez mais portugueses recorrem a seguros privados. No entanto, as listas de espera para consultas e exames nos seguros de saúde estão a aumentar, e as exclusões para condições pré-existentes continuam a ser uma barreira para muitos.
No segmento automóvel, as seguradoras desenvolveram estratégias sofisticadas para minimizar os pagamentos em caso de acidente. Desde a escolha de oficinas que utilizam peças de qualidade inferior até à contestação sistemática de certos tipos de danos, as tácticas para reduzir indemnizações são variadas e frequentemente desconhecidas dos segurados.
Os seguros de vida e poupança representam outro campo onde a falta de transparência é particularmente preocupante. As comissões embutidas nos produtos de poupança podem consumir uma parte significativa dos rendimentos ao longo do tempo, e as condições para resgate antecipado são muitas vezes punitivas.
A chegada das insurtechs - startups de seguros - prometia revolucionar o mercado com maior transparência e preços mais baixos. No entanto, muitas destas empresas acabaram por adoptar práticas semelhantes às das seguradoras tradicionais, focando-se mais na aquisição de clientes do que na qualidade do serviço.
Os consumidores portugueses precisam de estar mais informados sobre os seus direitos. A lei portuguesa oferece proteções significativas, mas estas só são eficazes se os consumidores as conhecerem e estiverem dispostos a lutar por elas. As associações de defesa do consumidor têm tido um papel crucial em denunciar práticas abusivas, mas a sua capacidade de ação é limitada.
O futuro dos seguros em Portugal dependerá em grande medida da capacidade dos consumidores para exigirem maior transparência e das autoridades para imporem regras mais claras. Enquanto isso, o conselho mais valioso para qualquer português com um seguro é simples: leia o contrato, faça perguntas e não aceite respostas evasivas.
A relação entre seguradoras e segurados precisa de evoluir de uma dinâmica de desconfiança para uma parceria baseada na transparência e no respeito mútuo. Só assim poderemos ter um mercado de seguros que realmente proteja os portugueses quando mais precisam.
Seguros em Portugal: o que as seguradoras não querem que saiba sobre os seus contratos
