Num país onde quase metade dos portugueses tem pelo menos um seguro de vida, poucos se dão ao trabalho de ler as letras pequenas. E é precisamente aí, nas entrelinhas dos contratos, que se escondem as armadilhas mais lucrativas para as seguradoras e mais perigosas para os consumidores. Investigámos durante semanas dezenas de contratos de seguros e conversámos com especialistas, advogados e vítimas de cláusulas abusivas. O que descobrimos vai fazer-lhe pensar duas vezes antes de assinar a próxima apólice.
A primeira grande surpresa vem dos seguros de saúde. Muitos portugueses acreditam que têm cobertura total, mas a realidade é bem diferente. As exclusões por 'condições pré-existentes' são tão amplas que chegam a abranger problemas de saúde que o cliente nem sabia que tinha. Um caso emblemático: um homem de 45 anos, não fumador e aparentemente saudável, viu o seu seguro recusar a cobertura de um ataque cardíaco porque, anos antes, um médico de família tinha registado 'tensão arterial ligeiramente elevada' nas suas notas clínicas. A seguradora considerou isso uma condição pré-existente não declarada.
Nos seguros automóveis, a prática mais comum é a subvalorização sistemática dos veículos sinistrados. As peritagens são feitas por empresas contratadas pelas seguradoras, criando um claro conflito de interesses. Encontrámos casos em que o valor atribuído ao carro era 40% inferior ao valor de mercado. O consumidor tem o direito de contestar com uma peritagem independente, mas essa informação raramente é fornecida de forma clara. E mesmo quando contesta, enfrenta um processo burocrático que pode arrastar-se por meses.
Os seguros de vida apresentam outro problema grave: as definições de 'incapacidade permanente'. O que parece ser uma proteção sólida transforma-se muitas vezes numa batalha legal. As seguradoras utilizam definições médicas ultrapassadas e restritivas. Um cirurgião que perde a capacidade de operar devido a um tremor nas mãos pode não ser considerado incapacitado se conseguir ainda exercer outras funções médicas, mesmo que isso signifique uma perda de 80% do seu rendimento.
A revolução digital trouxe novos riscos que as apólices tradicionais não cobrem. Os seguros de responsabilidade civil pessoal, por exemplo, raramente cobrem danos causados nas redes sociais. Um comentário infeliz que leve a processos por difamação ou uma foto partilhada que viole direitos de autor podem resultar em custos legais astronómicos que ficam totalmente por conta do segurado.
O setor dos seguros em Portugal movimenta milhares de milhões anualmente, mas a transparência continua a ser a exceção, não a regra. As apólices são escritas em linguagem jurídica densa, desenhada mais para proteger a seguradora do que para informar o cliente. A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) recebe centenas de reclamações mensais, mas os processos são lentos e muitas vezes terminam em acordos que mantêm as práticas questionáveis.
A boa notícia é que os consumidores estão cada vez mais informados e exigentes. Plataformas de comparação online, apesar das suas limitações, forçaram alguma transparência nos preços. Grupos de defesa do consumidor têm conseguido vitórias significativas nos tribunais. E a própria ASF tem apertado a supervisão sobre algumas práticas mais abusivas.
O segredo para não cair nas armadilhas? Ler tudo, questionar tudo e nunca aceitar um 'não' como resposta final quando os seus direitos estão em jogo. Peça sempre esclarecimentos por escrito, compare ofertas de diferentes seguradoras e, se possível, consulte um advogado especializado antes de assinar contratos de valores elevados. Lembre-se: num seguro, o diabo está sempre nos detalhes.
A próxima vez que um mediador de seguros lhe disser 'confie em mim', peça para ver as letras pequenas. E depois leia-as. Cada minuto gasto a decifrar o jargão jurídico pode poupar-lhe milhares de euros e inúmeras dores de cabeça no futuro. No mundo dos seguros, a desconfiança não é um defeito - é uma virtude.
Seguros em Portugal: o que as seguradoras não querem que saibas sobre as cláusulas escondidas