Num país onde quase todos temos pelo menos um seguro – automóvel, saúde, vida ou habitação – poucos realmente compreendem o que está escrito nas letras miúdas dos contratos. Enquanto as seguradoras apresentam campanhas publicitárias com sorrisos e promessas de tranquilidade, a realidade nos bastidores conta uma história diferente, repleta de cláusulas ambíguas, exclusões camufladas e aumentos de prémios justificados com argumentos que nem sempre resistem ao escrutínio.
Investigações recentes revelam que os portugueses pagam, em média, 15% mais pelos seguros automóvel do que a média europeia, sem que exista uma justificação clara baseada em sinistralidade ou custos operacionais. O setor, dominado por meia dúzia de grandes grupos, opera num mercado pouco transparente, onde a comparação de preços se torna um labirinto de coberturas diferentes e condições específicas que dificultam a escolha informada.
A grande armadilha, segundo especialistas contactados, está nas exclusões de cobertura. Muitos contratos de seguro de saúde, por exemplo, não cobrem tratamentos considerados 'experimentais' ou medicamentos mais recentes, deixando os segurados a pagar do próprio bolso em momentos críticos. Nos seguros de habitação, é comum encontrar cláusulas que limitam indemnizações por danos causados por 'catástrofes naturais' com definições tão vagas que permitem às seguradoras recusar pagamentos após tempestades ou inundações.
Os seguros de vida apresentam outro conjunto de problemas. Muitos portugueses desconhecem que os beneficiários podem enfrentar obstáculos burocráticos enormes para receber o capital seguro, com as seguradoras a exigirem documentação excessiva ou a alongarem processos durante meses. Casos documentados mostram famílias em luto a terem de recorrer a advogados para receberem o que lhes é devido por direito.
A digitalização do setor trouxe novas preocupações. As apólices online, muitas vezes contratadas com poucos cliques, escondem termos e condições que raramente são lidos na íntegra. A facilidade de contratação contrasta com a dificuldade de resolução de problemas, onde os contactos automatizados e a falta de interlocutores humanos transformam simples reclamações em verdadeiras odisseias.
A regulação do setor tem sido alvo de críticas. A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) recebe centenas de reclamações mensais, mas os processos disciplinares são raros e as multas, quando aplicadas, representam valores insignificantes face aos lucros das seguradoras. Esta impunidade relativa cria um ambiente onde más práticas podem prosperar.
A solução, defendem consumidores e especialistas, passa por maior transparência. Propostas incluem a criação de um comparador público de seguros com linguagem clara, a simplificação obrigatória dos contratos, e a limitação das exclusões de cobertura. Enquanto isso não acontece, os portugueses continuam a navegar num mar de letras miúdas, onde a promessa de segurança pode transformar-se numa fonte de preocupação.
O futuro dos seguros em Portugal dependerá da capacidade dos consumidores exigirem mais clareza e das autoridades imporem regras mais rigorosas. Até lá, a recomendação é simples: ler tudo, questionar muito e nunca assumir que o mais barato é necessariamente a melhor opção. A verdadeira proteção começa no conhecimento – e é precisamente isso que algumas seguradoras preferem que não tenhamos.
Seguros em Portugal: o que as seguradoras não querem que saibas sobre coberturas, preços e cláusulas escondidas