Num mundo cada vez mais digital, os portugueses enfrentam ameaças que vão muito além dos tradicionais acidentes domésticos ou automóveis. As seguradoras, tradicionalmente lentas a adaptar-se, estão agora a ser forçadas a repensar os seus produtos face a riscos que nem sequer existiam há uma década. O cibercrime, a perda de dados pessoais e a dependência de dispositivos inteligentes criaram um novo campo de batalha onde as apólices tradicionais mostram graves lacunas.
Os números são alarmantes: segundo dados da Autoridade Nacional de Segurança Cibernética, Portugal registou um aumento de 85% em ataques cibernéticos no último ano. Empresas e particulares viram-se confrontados com situações que as suas apólices não cobriam, desde o resgate de dados sequestrados até à perda de receitas devido a paragens tecnológicas. Muitos só descobriram as limitações dos seus seguros quando mais precisavam deles.
As seguradoras começam agora a responder a esta nova realidade, mas os produtos disponíveis no mercado português ainda estão longe de oferecer proteção completa. As apólices de cibersegurança, quando existem, são frequentemente complexas, cheias de exclusões e com limites de cobertura que deixam os segurados vulneráveis. O problema é particularmente grave para as pequenas e médias empresas, que representam a espinha dorsal da economia portuguesa mas que muitas vezes não têm recursos para contratar proteção adequada.
A transformação digital trouxe também novos riscos pessoais. Quantos portugueses têm seguros que cobrem a perda de criptomoedas? Ou a responsabilidade civil por acidentes com veículos autónomos? Ou mesmo os danos causados por assistentes virtuais que cometem erros? Estas não são questões teóricas – são riscos reais que já afetam milhares de pessoas em Portugal.
O setor segurador enfrenta o seu maior desafio desde a criação dos seguros de automóvel. A velocidade da inovação tecnológica supera a capacidade das seguradoras para desenvolver produtos adequados. Enquanto uma nova aplicação pode ser lançada em semanas, o desenvolvimento de uma apólice de seguros pode levar anos. Esta disparidade temporal cria um vazio de proteção que deixa consumidores e empresas expostos.
Os reguladores também estão a lutar para acompanhar estas mudanças. A ASF (Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões) tem vindo a alertar para a necessidade de modernização do setor, mas as medidas concretas ainda são insuficientes. A falta de especialização em riscos digitais entre os profissionais do setor é outro problema grave – muitos mediadores de seguros ainda não compreendem suficientemente bem estes novos riscos para poderem aconselhar adequadamente os seus clientes.
A solução pode passar por uma abordagem mais proativa. Em vez de esperar que os clientes identifiquem os seus riscos, as seguradoras mais inovadoras estão a desenvolver sistemas de monitorização contínua que alertam os segurados para vulnerabilidades antes que estas se transformem em sinistros. Esta mudança de paradigma – de reativo para proativo – pode ser a chave para proteger adequadamente os portugueses na era digital.
Os consumidores, por seu lado, precisam de se tornar mais informados sobre estes novos riscos. A literacia digital já não é apenas uma questão de saber usar um smartphone – é essencial para compreender que tipo de proteção se necessita num mundo cada vez mais conectado. As associações de defesa do consumidor começam a pressionar por maior transparência nas apólices e por produtos mais adaptados à realidade atual.
O futuro dos seguros em Portugal dependerá da capacidade do setor em inovar rapidamente. As insurtechs – startups especializadas em seguros – estão a ganhar terreno precisamente porque compreendem melhor estes novos riscos. As seguradoras tradicionais que não se adaptarem podem ver-se ultrapassadas num mercado em rápida transformação.
Enquanto isso, os portugueses continuam expostos a riscos que nem sequer sabem que existem. A questão não é se haverá um grande incidente cibernético em Portugal – é quando acontecerá e quantas pessoas e empresas descobrirão, demasiado tarde, que os seus seguros não cobrem os danos. A era digital exige uma nova geração de produtos de seguros, e Portugal não pode ficar para trás nesta revolução.
Seguros em Portugal: o que as seguradoras não querem que saibas sobre os novos riscos digitais
