Seguros em Portugal: o que escondem as letras pequenas que podem custar milhares de euros

Seguros em Portugal: o que escondem as letras pequenas que podem custar milhares de euros
Quando Maria assinou o contrato do seguro automóvel, nunca imaginou que uma vírgula mal colocada nas condições gerais lhe iria custar 3.500 euros. A história desta professora do Porto é mais comum do que se pensa no mercado segurador português, onde as exceções são frequentemente a regra.

Os portugueses gastam anualmente mais de 8 mil milhões de euros em prémios de seguros, segundo dados da Associação Portuguesa de Seguradores. No entanto, poucos realmente compreendem o que estão a comprar. As apólices transformaram-se em documentos de centenas de páginas, escritos numa linguagem jurídica que confunde até os mais letrados.

A verdade é que o sector segurador vive da assimetria de informação. Enquanto as seguradoras investem milhões em algoritmos de risco e equipas de subscrição, o comum dos mortais decide com base no preço e numa breve conversa com um mediador. Esta disparidade torna os consumidores particularmente vulneráveis quando chega a hora do sinistro.

O caso dos seguros de saúde ilustra bem esta realidade. Muitos portugueses pagam mensalmente por coberturas que julgam ser completas, apenas para descobrir na hora da necessidade que os tratamentos mais caros ficam de fora. As listas de hospitais e clínicas convencionadas mudam sem aviso prévio, e as franquias aplicam-se precisamente quando as despesas médicas são mais elevadas.

Nos seguros multirriscos habitacionais, a situação não é mais animadora. As exclusões por "fenómenos naturais" ou "danos graduais" tornam-se armadilhas para quem sofre infiltrações ou danos causados pela maresia. As seguradoras argumentam que estas cláusulas são necessárias para manter a sustentabilidade do sistema, mas a falta de transparência na comunicação destas limitações levanta sérias questões éticas.

A digitalização trouxe novos desafios. As plataformas online prometem simulações instantâneas e preços competitivos, mas escondem complexidades nos questionários de risco. Um simples erro na declaração de hábitos pode invalidar toda a cobertura, como descobriu João, um empresário de Lisboa que viu o seguro de vida da família ser anulado porque omitiu que ocasionalmente pratica desportos radicais.

A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) tem vindo a aumentar a fiscalização, mas os recursos são limitados face à dimensão do mercado. Em 2023, a ASF aplicou coimas recorde de mais de 2 milhões de euros, mas muitos casos nunca chegam ao conhecimento público devido aos acordos extrajudiciais.

A solução pode passar por uma maior educação financeira da população. Escolas e instituições começam a incluir literacia sobre seguros nos seus programas, mas o caminho é longo. Enquanto isso, especialistas recomendam que os consumidores peçam sempre esclarecimentos por escrito, comparem ofertas de diferentes seguradoras e não se deixem seduzir apenas pelo preço mais baixo.

O futuro dos seguros em Portugal poderá passar por modelos mais transparentes, como os seguros paramétricos, que pagam automaticamente quando ocorre um evento específico, eliminando a subjectividade na avaliação dos sinistros. Blockchain e smart contracts também prometem revolucionar o sector, mas a adopção massiva ainda está longe.

Enquanto as tecnologias não chegam, resta aos portugueses a velha máxima: ler as letras pequenas. No mundo dos seguros, o diabo está mesmo nos detalhes, e ignorá-los pode sair muito caro. A próxima vez que assinar uma apólice, lembre-se da Maria e pergunte: será que realmente sei o que estou a comprar?

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