Nos últimos meses, enquanto os principais jornais portugueses se concentravam nas flutuações do mercado segurador e nas fusões entre gigantes, uma revolução silenciosa estava a acontecer nas sombras do digital. A verdade é que as ameaças que hoje enfrentamos não se limitam aos incêndios florestais ou aos acidentes rodoviários que dominam as páginas dos diários. Há um novo tipo de risco a pairar sobre os portugueses, e poucos estão verdadeiramente protegidos.
Imagine acordar uma manhã e descobrir que todos os seus dados pessoais – desde o histórico médico até aos movimentos bancários – foram expostos numa dark web qualquer. Esta não é uma cena de um filme de ficção científica, mas a realidade de milhares de portugueses que, sem saberem, tornaram-se alvos fáceis para cibercriminosos. Os seguros tradicionais, aqueles que ainda pensam em termos de danos físicos e materiais, estão desesperadamente desatualizados face a esta nova paisagem de perigos.
Enquanto o Jornal de Negócios discute os lucros das seguradoras e o Expresso analisa as políticas do setor, ninguém está a perguntar o que acontece quando um hacker acede ao sistema de uma empresa e rouba informações sensíveis de todos os seus clientes. As indemnizações por estes crimes digitais podem atingir valores astronómicos, mas a maioria das apólices em Portugal ainda trata estes incidentes como exceções mínimas, quase como notas de rodapé nos longos contratos que ninguém lê.
A verdade inconveniente é que a legislação portuguesa está anos-luz atrás da tecnologia. O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) trouxe algumas mudanças, mas as seguradoras continuam a operar com mentalidades do século passado. Enquanto isso, os portugueses partilham cada vez mais dados online – desde apps de saúde que monitorizam o nosso sono até aos assistentes virtuais que ouvem as nossas conversas – sem perceberem que esta informação pode ser usada contra eles quando tentarem fazer um seguro.
O mais preocupante? Muitas das maiores seguradoras em Portugal nem sequer oferecem coberturas adequadas para riscos digitais. Falamos de proteção contra ransomware, responsabilidade por violação de dados, e até mesmo seguros para criptomoedas – áreas que estão completamente ausentes dos portfólios tradicionais. Enquanto o Dinheiro Vivo reporta sobre os investimentos em tecnologia das empresas, ninguém está a questionar porque é que essa tecnologia não está a ser usada para proteger melhor os consumidores.
E não são apenas os indivíduos que estão em risco. Pequenas e médias empresas, o coração da economia portuguesa, estão particularmente vulneráveis. Um ataque cibernético pode significar o fim de um negócio familiar com décadas de história, mas quantos destes empresários têm seguros que cobrem adequadamente estes cenários? A resposta é assustadoramente poucos.
O Observador e a Visão têm feito algum trabalho notável ao alertar para os perigos do mundo digital, mas falta uma investigação profunda sobre como o setor dos seguros está – ou não está – a adaptar-se a esta nova realidade. As entrevistas com CEOs de seguradoras raramente abordam estas questões, preferindo focar-se em números de negócio e estratégias de expansão internacional.
Há, no entanto, alguns sinais de mudança. Startups portuguesas estão a desenvolver soluções inovadoras no setor insurtech, oferecendo coberturas personalizadas e em tempo real. Estas empresas perceberam que o futuro dos seguros não está em vender as mesmas apólices há décadas, mas em criar proteções dinâmicas que evoluem à medida que os riscos mudam. Mas estas iniciativas ainda são gotas num oceano de tradição.
O que falta, fundamentalmente, é transparência. As seguradoras precisam de explicar claramente o que está – e o que não está – coberto nas suas apólices. Os consumidores precisam de entender que um seguro de responsabilidade civil básico não os protege se forem vítimas de um esquema de phishing que esvazie a sua conta bancária. E os reguladores precisam de atualizar urgentemente as regras do jogo para o século XXI.
Enquanto isso, os portugueses continuam a navegar num mundo cada vez mais digital com proteções do mundo analógico. É como tentar combater um incêndio florestal com um extintor de cozinha – bem-intencionado, mas completamente inadequado para a escala do problema. A questão que fica no ar, sem resposta nas páginas dos nossos jornais, é simples: quando é que o setor dos seguros em Portugal vai acordar para os verdadeiros riscos do nosso tempo?
Seguros em Portugal: o que os jornais não contam sobre as novas ameaças digitais e a proteção dos dados