Seguros em Portugal: o que os jornais não contam sobre as novas armadilhas do mercado

Seguros em Portugal: o que os jornais não contam sobre as novas armadilhas do mercado
Nos últimos meses, enquanto os portugueses se preocupavam com a inflação e o custo de vida, uma revolução silenciosa acontecia no mercado segurador. Não se trata apenas de subidas de prémios – que todos sentimos na pele – mas de mudanças estruturais que estão a redefinir as regras do jogo. Nas redações dos principais jornais económicos, os editores debatem se vale a pena alarmar os leitores ou se é melhor manter um tom moderado. A verdade, porém, é mais complexa do que os cabeçalhos sugerem.

A primeira armadilha esconde-se nas letras pequenas das apólices de saúde. Com a pressão sobre o SNS, muitos portugueses correram a contratar seguros de saúde privados. O que poucos percebem é que as seguradoras introduziram discretamente cláusulas de 'período de carência estendido' para doenças pré-existentes. Em linguagem simples: se já tiver uma condição diagnosticada, pode esperar até 24 meses para ter cobertura total. Esta prática, embora legal, raramente é explicada com clareza pelos mediadores.

Nos seguros automóvel, a digitalização trouxe uma falsa sensação de transparência. As comparações online prometem as melhores ofertas em segundos, mas omitem um detalhe crucial: os algoritmos que determinam o seu prémio consideram agora dados que vão muito além do seu histórico de condução. O seu código postal tornou-se um fator determinante, criando 'zonas vermelhas' onde os prémios disparam sem justificação aparente. Morar num bairro com estatísticas de sinistralidade ligeiramente acima da média pode custar-lhe centenas de euros por ano.

O setor dos seguros de vida vive a sua própria transformação. As apólices ligadas a fundos de investimento estão a ser promovidas como a solução perfeita para a reforma. O discurso é sedutor: proteção para a família mais potencial de crescimento. A realidade é mais cinzenta. As comissões de gestão escondidas nestes produtos podem consumir até 2% ao ano do valor investido, um custo que raramente é destacado nas simulações apresentadas. Em dez anos, essa 'taxinha' pode reduzir o seu capital final em mais de 20%.

Para as pequenas empresas, o cenário é particularmente desafiante. Os seguros de responsabilidade civil profissional tornaram-se quase inacessíveis para certas atividades. Restaurantes, oficinas e lojas de retalho enfrentam aumentos superiores a 30% ao ano. A justificação das seguradoras aponta para o aumento dos litígios judiciais, mas os dados contam outra história: a sinistralidade manteve-se estável na maioria dos setores. O que realmente mudou foi a aversão ao risco das seguradoras, que preferem concentrar-se em clientes corporativos de grande dimensão.

A revolução mais subtil acontece nos seguros multirriscos habitacionais. As alterações climáticas tornaram-se a desculpa perfeita para redefinir os limites de cobertura. Danos causados por 'eventos climáticos extremos' – uma categoria cada vez mais ampla – agora exigem franquias adicionais. Uma inundação que há cinco anos seria coberta na totalidade pode hoje deixar o proprietário com uma fatia substancial da reparação por sua conta. As seguradoras argumentam com a sustentabilidade do modelo, mas os lucros recorde do setor sugerem que o equilíbrio pode estar a inclinar-se demasiado para um dos lados.

A regulação tenta acompanhar estas mudanças, mas a Associação de Seguradores Portugueses tem mais recursos e influência do que qualquer organismo público. Os projetos de lei que visam maior transparência ficam frequentemente presos em discussões técnicas intermináveis. Enquanto isso, o consumidor médio navega num mar de jargão técnico, dependente da honestidade de mediadores que muitas vezes trabalham com metas de vendas agressivas.

A solução não passa por demonizar as seguradoras – empresas que, no fundo, prestam um serviço essencial à sociedade. Mas exige uma mudança de atitude por parte dos portugueses. Ler a apólice antes de assinar deixou de ser suficiente. É necessário questionar, comparar não apenas preços mas também condições, e sobretudo compreender que o seguro mais barato é frequentemente o que oferece menos quando realmente precisamos.

O futuro próximo trará ainda mais desafios. Os seguros 'pay-as-you-go', que monitorizam os nossos hábitos em tempo real, prometem personalização total. A troca? Uma perda radical de privacidade. A sua apólice de automóvel poderá saber quantas vezes trava bruscamente, a que horas conduz, e até que tipo de estradas prefere. Os dados serão o novo prémio – e nós, sem nos apercebermos, estamos a pagá-lo com cada quilómetro percorrido.

Neste novo mundo segurador, a desconfiança saudável é o melhor aliado. As histórias de sucesso não são as das pessoas que pagam menos, mas sim as que compreendem exatamente o que compraram. Num país onde a literacia financeira ainda é um desafio, esta pode ser a lição mais valiosa: no mundo dos seguros, o diabo não está apenas nos detalhes – está a ditar as regras do jogo.

Subscreva gratuitamente

Terá acesso a conteúdo exclusivo, como descontos e promoções especiais do conteúdo que escolher:

Tags

  • seguros Portugal
  • Mercado Segurador
  • apólices ocultas
  • proteção financeira
  • consumidor informado