Nos últimos meses, as redações dos principais jornais portugueses têm estado repletas de notícias sobre o setor dos seguros. Do Jornal de Negócios ao Expresso, passando pelo Dinheiro Vivo e pelo Observador, todos abordam as mudanças regulatórias, as novas coberturas e os preços em alta. Mas há histórias que ficam por contar, detalhes que escapam às manchetes e realidades que os consumidores desconhecem.
A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) anunciou recentemente novas diretrizes para os seguros automóvel e de saúde. Nos jornais, lemos sobre as intenções de maior transparência e proteção ao consumidor. O que não se diz é como essas regras estão a ser implementadas na prática. Em conversas com corretores de seguros, descobrimos que muitas seguradoras estão a usar brechas legais para manter cláusulas ambíguas nos contratos, especialmente nas exclusões de cobertura. Um exemplo: seguros de saúde que prometem cobertura total, mas que na prática limitam consultas de especialidade a duas por ano, sem que isso esteja explícito na proposta inicial.
Nos seguros automóveis, a história repete-se. A ASF exige que as apólices sejam mais claras, mas os preços continuam a subir acima da inflação. Porquê? As seguradoras alegam o aumento dos sinistros e dos custos de reparação. No entanto, uma análise aos relatórios financeiros das principais companhias mostra que as margens de lucro no ramo automóvel cresceram 8% no último ano. Enquanto isso, os portugueses pagam, em média, mais 12% pelo mesmo seguro. A matemática não engana: alguém está a ganhar, e não são os consumidores.
A digitalização do setor é outro tema quente. Lemos nos jornais sobre apps, chatbots e subscrições online. O que não se lê é sobre os dados que cedemos ao contratar um seguro digital. As políticas de privacidade, muitas vezes com dezenas de páginas, escondem cláusulas de partilha de informação com terceiros para 'fins comerciais'. Em alguns casos, esses dados são usados para criar perfis de risco que vão além do seguro, influenciando ofertas de crédito ou até empregabilidade. É o preço oculto da conveniência digital.
Nos seguros de vida e de saúde, surge uma nova tendência: os seguros parametrizados por dispositivos wearables. Prometem preços mais baixos para quem tem um estilo de vida saudável, monitorizado por smartwatches ou pulseiras de atividade. Parece justo, até percebermos que esses dados podem ser usados para excluir pessoas com condições pré-existentes ou para aumentar prémios com base em padrões de sono ou stress. É a vigilância disfarçada de benefício.
E depois há os seguros que ninguém fala, mas que estão a crescer silenciosamente. Os seguros cibernéticos, por exemplo, são cada vez mais procurados por empresas, mas quase inexistentes na comunicação social. Cobrem ataques de ransomware, violações de dados e até extorsão digital. Num país onde os ciberataques a hospitais e empresas públicas têm sido notícia, é curioso que esta proteção não tenha o destaque merecido. Será por não ser um produto massificado? Ou porque as seguradoras preferem vender o que já conhecem?
A sustentabilidade entrou no vocabulário das seguradoras, com produtos 'verdes' e apólices que prometem compensar emissões de carbono. Nos jornais, estas iniciativas são apresentadas como inovação. Mas uma investigação aos fundos onde são investidos os prémios desses seguros revela que muitos incluem empresas de combustíveis fósseis ou com práticas ambientais questionáveis. É o greenwashing aplicado aos seguros, onde a etiqueta ecológica vale mais do que a ação real.
Para o consumidor comum, navegar neste mundo é cada vez mais complexo. As comparações online ajudam, mas muitas vezes escondem comissões embutidas ou parcerias pouco transparentes. A regulação avança, mas a um ritmo mais lento do que a inovação (ou a astúcia) das seguradoras. E enquanto os jornais noticiam as grandes mudanças, os detalhes que realmente afetam a carteira dos portugueses passam entre os pingos da chuva.
O que fazer? Especialistas ouvidos para esta reportagem sugerem três passos: ler as letras pequenas com lupa, questionar tudo o que não for claro e, acima de tudo, exigir transparência. Porque num setor que mexe com a segurança e o futuro das pessoas, o que não se sabe pode custar muito mais do que o prémio mensal.
Seguros em Portugal: o que os jornais não contam sobre as novas regras e os custos ocultos