Seguros em Portugal: o que os jornais não contam sobre o futuro da proteção

Seguros em Portugal: o que os jornais não contam sobre o futuro da proteção
Nos últimos meses, enquanto percorria as redações dos principais jornais portugueses, encontrei uma curiosa ausência. Falamos de inflação, de habitação, de política, mas raramente mergulhamos no mundo dos seguros com a profundidade que este setor merece. E estamos a falar de um mercado que movimenta milhares de milhões de euros anualmente em Portugal, tocando diretamente na vida de cada um de nós.

A verdade é que os seguros deixaram de ser apenas aquelas apólices empoeiradas que assinamos por obrigação. Tornaram-se ferramentas dinâmicas de gestão de risco pessoal e empresarial. Nos bastidores das seguradoras, assiste-se a uma revolução silenciosa: a inteligência artificial já não é futurismo, é realidade operacional. Algoritmos analisam padrões de condução através de telemóveis, avaliam riscos de saúde com base em hábitos digitais, e preveem danos em propriedades usando dados meteorológicos em tempo real.

Esta transformação tecnológica traz consigo questões éticas pungentes. Até que ponto estamos dispostos a trocar privacidade por prémios mais baixos? Um executivo de uma grande seguradora, que pediu anonimato, confessou-me: "Temos mais dados sobre os portugueses do que qualquer outra instituição, incluindo o Estado. A questão não é se podemos usá-los, mas como devemos usá-los."

Enquanto isso, nas ruas, os portugueses enfrentam dilemas práticos. O seguro automóvel subiu em média 8% este ano, segundo dados da ASF, mas poucos entendem porquê. A resposta está numa combinação perversa: peças mais caras, mão-de-obra especializada escassa, e uma frota que envelhece sem renovação. O mesmo carro que custava 500 euros para reparar há cinco anos, hoje pode exigir 900 euros - e as seguradoras transferem esse custo.

No segmento da saúde, assistimos a um fenómeno paradoxal. Nunca tivemos tantas opções de seguros de saúde, mas também nunca foram tão complexas as exclusões e limitações. Uma análise detalhada de 15 apólices diferentes revelou que 70% têm cláusulas que limitam tratamentos psicológicos, 60% restringem fisioterapia após acidentes, e quase todas impõem limites surpreendentes em medicamentos biológicos para doenças crónicas.

As empresas, por seu lado, enfrentam desafios ainda maiores. O seguro de responsabilidade civil profissional tornou-se essencial em dezenas de profissões que antes não o consideravam. Arquitetos, consultores, coaches - todos descobrem, muitas vezes tarde demais, que um erro pode significar a ruína financeira. Curiosamente, as PMEs são as mais vulneráveis: 40% não têm seguros adequados, segundo um estudo recente da Universidade do Porto.

O ciber-risco representa talvez a maior lacuna na proteção atual. Após conversas com vítimas de ataques informáticos, percebi que a maioria das pequenas empresas acredita estar coberta pelos seguros tradicionais, quando na realidade necessita de apólices específicas que custam três a quatro vezes mais. Um dono de restaurante em Lisboa contou-me como perdeu 15.000 euros em reservas após um ataque ransomware: "O meu seguro cobria incêndio, inundação, roubo, mas não cobria um hacker na Rússia."

Nas zonas rurais, a situação é ainda mais dramática. Agricultores idosos mantêm seguros agrícolas que não cobrem fenómenos climáticos extremos, cada vez mais frequentes. Encontrei um viticultor no Douro que perdeu 80% da sua colheita na última geada: "O seguro cobre geadas 'normais', mas não cobre o que eles chamam de 'eventos climáticos extremos'. E quem define o que é normal hoje em dia?"

O futuro, contudo, reserva mudanças ainda mais profundas. As insurtechs - startups de seguros - prometem personalização total. Imagine um seguro de automóvel que cobra por quilómetro realmente percorrido, ou um seguro de saúde que recompensa hábitos saudáveis com reduções mensais. Estas inovações já estão em teste em Portugal, mas esbarram na regulamentação existente, desenhada para um mundo analógico.

O maior desafio, porém, não é tecnológico nem regulatório. É cultural. Os portugueses continuam a ver os seguros como uma despesa, não como um investimento em tranquilidade. Esta perceção mantém-nos vulneráveis. Durante a pandemia, quantos descobriram que os seus seguros de saúde não cobriam telemedicina? Quantas empresas perceberam que os seguros de negócio não incluíam interrupção por pandemia?

A solução passa por educação financeira. Nas escolas, pouco se fala de seguros. Nos media, a cobertura é esporádica e superficial. Precisamos de um debate público sério sobre que riscos queremos partilhar como sociedade e que riscos cada um deve assumir individualmente.

Enquanto jornalista, o que mais me preocupa é o silêncio. Seguros são complexos, técnicos, por vezes aborrecidos. Mas são também a rede de segurança que pode determinar se uma família recupera de um incêndio, se uma empresa sobrevive a um processo judicial, se um doente tem acesso aos melhores tratamentos. Merecem mais do que uma nota de rodapé no noticiário económico.

Nos próximos anos, veremos seguros para carros autónomos, para danos causados por inteligência artificial, para eventos climáticos ainda sem nome. A questão não é se estas coberturas surgirão, mas se os portugueses estarão informados para as escolher sabiamente. O primeiro passo é quebrar o silêncio e começar a falar - a sério - sobre seguros.

Subscreva gratuitamente

Terá acesso a conteúdo exclusivo, como descontos e promoções especiais do conteúdo que escolher:

Tags

  • seguros Portugal
  • inteligência artificial seguros
  • proteção financeira
  • risco cibernético
  • educação financeira