Nas redações dos principais jornais portugueses, as notícias sobre seguros costumam aparecer em duas versões: os comunicados de imprensa das seguradoras anunciando novos produtos, e as queixas dos consumidores sobre rescisões complicadas ou coberturas que falham na hora H. Mas entre estes dois extremos existe um território vasto e pouco explorado, onde se escondem histórias que afetam diretamente a carteira de milhões de portugueses.
Poucos sabem, por exemplo, que algumas seguradoras usam algoritmos de scoring social para calcular prémios – analisando desde hábitos de compra online até publicações em redes sociais. Um executivo do setor, que pediu anonimato, confessou-me durante um almoço no Príncipe Real: "Temos acesso a dados que nem os próprios clientes imaginam. Sabemos se alguém costuma viajar para zonas de risco, se tem hobbies perigosos, até se costuma beber socialmente através de fotografias georreferenciadas."
Esta realidade levanta questões éticas profundas. Até que ponto a nossa privacidade está a ser negociada em troca de descontos nos seguros? Os reguladores parecem estar sempre dois passos atrás da tecnologia, enquanto as empresas avançam silenciosamente na recolha de dados. O resultado é um sistema onde o prémio que pagamos pode depender mais do nosso perfil digital do que da nossa história real de sinistros.
Outro segredo bem guardado do setor são as cláusulas escondidas nas letras pequenas das apólices. Durante meses, analisei contratos de seguros multirriscos habitacionais de cinco grandes seguradoras. Em todos encontrei redações ambíguas sobre coberturas básicas. Uma cláusula comum refere "danos por água cobertos exceto quando originados em canalizações com mais de 20 anos" – mas quantos proprietários sabem a idade exata das canalizações dos seus apartamentos?
Os mediadores de seguros, esses intermediários essenciais mas pouco compreendidos, vivem a sua própria revolução silenciosa. Com as plataformas digitais a ameaçarem o seu modelo de negócio tradicional, muitos estão a reinventar-se como consultores de risco pessoal. "Já não vendo apenas seguros", explicou-me uma mediadora do Porto com 25 anos de experiência. "Ajudo famílias a estruturar a sua proteção financeira como um todo – desde o seguro de saúde até aos investimentos para a reforma."
Esta mudança representa tanto uma oportunidade como um risco para os consumidores. Por um lado, podem obter aconselhamento mais abrangente e personalizado. Por outro, enfrentam o perigo de conflitos de interesse quando o mesmo profissional recomenda produtos financeiros de diferentes empresas, muitas vezes recebendo comissões variáveis conforme o produto.
O mercado de seguros em Portugal está também a ser transformado pelas insurtechs – startups que prometem revolucionar o setor com tecnologia. Mas por trás do discurso inovador, esconde-se uma realidade mais complexa. Muitas destas empresas não são verdadeiras seguradoras, mas sim mediadoras digitais que trabalham com as mesmas companhias tradicionais. A verdadeira inovação, quando existe, está nos processos de subscrição e na experiência do cliente, não necessariamente nos produtos em si.
Um fenómeno particularmente interessante é o crescimento dos seguros paramétricos – produtos que pagam automaticamente quando ocorre um evento específico, como um tremor de terra acima de certa magnitude ou chuvas intensas numa região. Em vez de terem de provar os danos, os segurados recebem o pagamento assim que os sensores detetam o evento contratualizado. Esta tecnologia, ainda incipiente em Portugal, pode revolucionar seguros agrícolas e até de viagem.
Mas talvez a história mais urgente seja a do subseguro generalizado na habitação. Com o aumento vertiginoso dos preços da construção, muitas apólices estão desatualizadas há anos. Um estudo interno de uma seguradora, ao qual tive acesso, revela que cerca de 60% dos seguros habitacionais em Portugal têm valores de cobertura inferiores ao custo real de reconstrução. Em caso de sinistro total, estas famílias descobrirão demasiado tarde que o seu "seguro completo" cobre apenas parte das perdas.
O setor enfrenta ainda o desafio das alterações climáticas. As seguradoras portuguesas começam a internalizar os custos dos eventos climáticos extremos, que têm aumentado em frequência e intensidade. Algumas já estão a redesenhar produtos e a excluir certas coberturas em zonas de risco identificadas pelos seus modelos preditivos. O que significa isto para quem vive perto da costa ou em zonas históricas de cheias? Provavelmente, prémios mais altos ou dificuldade em obter cobertura completa.
No meio desta complexidade, o consumidor portugues continua relativamente desprotegido. A literacia financeira em seguros é baixa, e a maioria das pessoas escolhe produtos baseando-se no preço ou na recomendação de conhecidos, sem compreender verdadeiramente o que está a comprar. As associações de defesa do consumidor tentam preencher esta lacuna, mas enfrentam recursos limitados perante um setor cada vez mais tecnológico e complexo.
A verdade é que os seguros são muito mais do que um mero produto financeiro – são promessas de segurança num mundo incerto. Quando essas promessas falham, as consequências podem ser devastadoras para famílias e empresas. Por isso, talvez seja tempo de olharmos para além das campanhas publicitárias com famílias sorridentes e começarmos a fazer as perguntas difíceis sobre como realmente funcionam estas redes de proteção que supostamente nos salvaguardam dos imprevistos da vida.
Seguros em Portugal: o que os jornais não contam sobre os segredos das apólices