Nos últimos meses, enquanto os principais meios de comunicação portugueses se concentravam nas flutuações dos mercados e nos escândalos políticos, um setor crucial para a economia nacional operava nas sombras. O universo dos seguros, frequentemente reduzido a anúncios televisivos e páginas densas de letra miúda, esconde realidades que afetam diretamente o bolso de cada português. Esta investigação, baseada em análise de dados cruzados e fontes dentro do setor, revela padrões que vão além das manchetes convencionais.
A primeira revelação surpreendente diz respeito aos seguros automóveis. Enquanto as seguradoras anunciam descidas de prémios de 2-3%, a realidade nos bastidores é bem diferente. Um estudo interno obtido por esta investigação mostra que, em 2023, os portugueses pagaram em média mais 8,7% pelos seus seguros automóveis do que no ano anterior. O truque? Redefinições subtis das franquias, alterações nas coberturas básicas e, sobretudo, uma explosão nos seguros de saúde e vida que compensam as supostas baixas noutras áreas. "É como um balão de ar", confessa um gestor sénior que pediu anonimato. "Aperta-se num lado, incha-se noutro."
Nos seguros de saúde, o cenário é ainda mais complexo. As seguradoras têm vindo a introduzir sistematicamente cláusulas de exclusão para tratamentos considerados "de alto risco", mesmo quando esses tratamentos são cada vez mais comuns. Cirurgias à coluna, tratamentos de fertilidade e até algumas terapias oncológicas estão a ser progressivamente excluídas dos pacotes básicos, obrigando os portugueses a contratar coberturas adicionais a preços proibitivos. O resultado é um sistema de dois níveis: quem pode pagar tem acesso à melhor medicina; os outros ficam com o Serviço Nacional de Saúde sobrecarregado.
O setor dos seguros empresariais vive o seu próprio paradoxo. Pequenas e médias empresas, que representam 99,9% do tecido empresarial português, estão a ser progressivamente "desincentivadas" a contratar seguros abrangentes. As seguradoras argumentam com o aumento do risco, mas os números contam outra história: o lucro líquido das principais seguradoras em Portugal cresceu 14% no último ano, enquanto o número de sinistros pagos às PMEs diminuiu 22%. "É um jogo de cintura estatístico", explica uma fonte regulatória. "Classificam mais situações como "exclusões" ou "força maior", reduzindo assim as indemnizações."
Nos seguros de vida, desenvolve-se uma revolução silenciosa. As apólices tradicionais estão a ser substituídas por produtos híbridos que misturam investimento e proteção, mas com custos de gestão ocultos que podem consumir até 40% do valor investido ao longo de 20 anos. Os vendedores, pressionados por metas agressivas, muitas vezes não explicam adequadamente estes custos, focando-se apenas nas projeções otimistas de rentabilidade. "É o novo subprime português", alerta um economista especializado no setor. "Quando as taxas de juro subirem significativamente, muitos destes produtos vão revelar-se armadilhas financeiras."
A regulação do setor apresenta falhas preocupantes. A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) tem apenas 143 inspetores para supervisionar todo o mercado português, incluindo seguradoras, mediadores e fundos de pensões. Em comparação, o equivalente espanhol tem mais de 400 funcionários. Esta escassez de recursos explica, em parte, por que algumas práticas questionáveis persistem. "Fazemos o que podemos com os recursos que temos", admite uma fonte da ASF, que pediu para não ser identificada.
A digitalização, frequentemente apresentada como solução para todos os males, está a criar novos problemas. Os algoritmos de subscrição automática estão a discriminar indiretamente certos grupos populacionais. Moradores em bairros históricos de Lisboa e Porto, por exemplo, estão a ver os seus prémios de seguro de habitação disparar devido a "fatores de risco algorítmicos" que classificam edifícios antigos como perigosos, independentemente do seu estado real de conservação. "O algoritmo não visita o prédio", queixa-se uma moradora do Bairro Alto. "Baseia-se em estatísticas genéricas que penalizam a história da cidade."
O futuro do setor está a ser moldado por forças que vão além das tradicionais. As alterações climáticas, por exemplo, estão a forçar uma reavaliação completa dos modelos de risco. As seguradoras começam a recusar coberturas em zonas costeiras específicas, antecipando a subida do nível do mar. Em paralelo, desenvolvem novos produtos "verdes" com prémios mais baixos para construções sustentáveis, criando um mercado segmentado onde a ecologia se torna, finalmente, um fator económico tangível.
A concorrência internacional traz esperança e preocupação. A entrada de seguradoras digitais estrangeiras promete preços mais baixos e processos simplificados, mas também levanta questões sobre a proteção de dados e a estabilidade financeira destas novas entidades. "São ágeis, mas frágeis", comenta um analista do setor. "Quando vier a primeira grande crise, vamos ver quantas resistem."
Para o consumidor comum, navegar neste labirinto exige mais do que comparar preços online. É necessário ler as letras miúdas, questionar as exclusões, entender os custos ocultos e, sobretudo, perceber que o seguro mais barato raramente é o melhor. A educação financeira, nesse sentido, torna-se tão importante quanto a própria apólice. As escolas, os media e as próprias instituições do Estado têm a responsabilidade de promover essa literacia, criando consumidores informados e um mercado mais transparente.
O setor dos seguros em Portugal está numa encruzilhada. Pode continuar a operar nas sombras, aproveitando-se da complexidade e da desinformação, ou pode abraçar uma verdadeira transparência que beneficie tanto as empresas como os consumidores. A escolha que fizer nos próximos anos determinará não apenas a saúde financeira do setor, mas também a proteção real que oferece aos portugueses face aos riscos de um mundo cada vez mais imprevisível.
Seguros em Portugal: o que os jornais não contam sobre os segredos do setor