Num país onde o seguro automóvel é obrigatório e o seguro de saúde se tornou quase um bem de primeira necessidade, quantos portugueses realmente compreendem as letras miúdas das apólices que assinam? A verdade é que, entre cláusulas obscuras, exclusões camufladas e promessas que nunca se materializam, o mundo dos seguros em Portugal continua a ser um território pouco explorado pelos consumidores.
Nos últimos meses, várias reportagens em publicações como o Expresso, Observador e Dinheiro Vivo revelaram práticas que deixariam qualquer segurado de cabelos em pé. Desde seguros de saúde que recusam cobrir tratamentos considerados 'experimentais' até apólices multirriscos habitacionais que excluem precisamente os danos mais comuns nas habitações portuguesas, a lista de surpresas desagradáveis é longa.
Um caso particularmente revelador surgiu nas páginas do Jornal de Negócios: uma família do Porto descobriu, apenas quando tentou acionar o seguro, que a sua apólice contra todos os riscos não cobria infiltrações causadas por chuvas intensas – precisamente o problema que enfrentavam após um temporal. A justificação da seguradora? 'Evento climático extremo', uma categoria que, segundo a empresa, exigiria um seguro específico que a família não possuía.
O setor segurador português movimenta milhares de milhões anualmente, mas a transparência continua a ser um desafio. Como noticiou o Jornal Económico, muitas seguradoras utilizam linguagem técnica deliberadamente complexa nas suas apólices, criando uma barreira quase intransponível para o comum dos mortais. O resultado? Consumidores que pagam prémios durante anos, apenas para descobrir na hora do sinistro que não estão realmente protegidos.
A digitalização trouxe novas armadilhas. Plataformas online que prometem seguros 'em três cliques' muitas vezes escondem condições importantes em hiperligações quase invisíveis. Um investigador do setor, citado pela Visão, comparou estas práticas a 'contratos escritos em tinta invisível – só aparecem quando é tarde demais'.
Mas nem tudo são más notícias. A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) tem aumentado a fiscalização, aplicando coimas recorde a seguradoras que violam os direitos dos consumidores. Ainda assim, como revelou uma reportagem do DN, o caminho até à justiça pode ser longo e dispendioso para o cidadão comum.
A verdadeira revolução poderá vir dos próprios consumidores. Grupos no Facebook e outras redes sociais tornaram-se fóruns onde portugueses partilham experiências, comparam apólices e alertam para cláusulas abusivas. Esta 'inteligência coletiva', como lhe chamou o Observador, está a forçar as seguradoras a serem mais transparentes.
O futuro dos seguros em Portugal passa necessariamente por uma maior educação financeira. Escolas, associações de consumidores e até algumas seguradoras progressistas começam a oferecer workshops sobre como ler e compreender uma apólice. Mas, como alerta um especialista citado pelo Sábado, 'ninguém deveria precisar de um curso para entender aquilo pelo qual paga todos os meses'.
Enquanto isso, os portugueses continuam a navegar num mar de termos como 'franquia', 'cobertura adicional' e 'período de carência', muitas vezes sem a bússola do conhecimento necessário. A próxima vez que assinar uma apólice, lembre-se: as letras miúdas podem ser pequenas, mas as suas consequências são sempre grandes.
Seguros em Portugal: o que os portugueses ainda não sabem sobre as apólices que assinam