Num país onde a palavra 'seguro' muitas vezes evoca imagens de burocracia e prémios mensais, a verdade é que os portugueses continuam subprotegidos face aos riscos que enfrentam no dia a dia. A recente vaga de incêndios florestais, as cheias repentinas e até a instabilidade económica global revelaram lacunas alarmantes na forma como encaramos a proteção do que mais valorizamos.
Dados do setor segurador mostram que apenas 35% das habitações em Portugal possuem seguro multirriscos completo, deixando milhares de famílias vulneráveis a catástrofes naturais. Este cenário torna-se ainda mais preocupante quando analisamos as regiões do interior, onde a taxa de penetração de seguros não chega aos 20%.
Os especialistas alertam para um fenómeno curioso: enquanto os portugueses não hesitam em segurar o automóvel (obrigatório por lei), negligenciam a proteção daquilo que realmente importa - a saúde da família, a casa que levou anos a construir ou o negócio que sustenta o lar. Esta paradoxal relação com o risco revela uma cultura de prevenção ainda imatura.
A digitalização veio revolucionar o sector, mas também criou novas armadilhas. Muitos consumidores optam por apólices online sem compreender totalmente as exclusões e limitações. As letras pequenas, agora escondidas em múltiplos cliques, continuam a ser o calcanhar de Aquiles dos contratos de seguro.
As seguradoras, por seu lado, enfrentam o desafio de educar o mercado enquanto combatem a desconfiança histórica dos portugueses. As queixas junto da ASF (Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões) têm vindo a aumentar, principalmente relacionadas com a lentidão na processing de sinistros e com a falta de transparência nas condições contratuais.
O surgimento de insurtechs está a forçar as tradicionais companhias a repensarem os seus modelos de negócio. Desde seguros pay-per-use para automóveis até micro-seguros adaptados a freelancers, a inovação está finalmente a chegar a um sector historicamente conservador.
A questão das alterações climáticas trouxe novos desafios. As seguradoras começam a excluir certas coberturas em zonas de alto risco, enquanto os prémios sobem em regiões costeiras ameaçadas pela subida do nível do mar. Esta mudança está a forçar uma discussão urgente sobre quem deve suportar os custos dos riscos climáticos.
Para as pequenas e médias empresas, o cenário não é mais animador. Muitos empresários ainda consideram os seguros uma despesa desnecessária, ignorando que um único incidente pode ditar o fim de anos de trabalho. A falta de literacia financeira e seguradora mantém-se como o maior obstáculo ao desenvolvimento de uma cultura de prevenção robusta.
Os seguros de saúde representam outro capítulo interessante nesta história. Com o SNS sob pressão, cada vez mais portugueses procuram alternativas privadas. No entanto, a maioria não compreende as diferenças entre planos de saúde e seguros de saúde propriamente ditos, levando a expectativas irrealistas e a desilusões frequentes.
O futuro dos seguros em Portugal passará inevitavelmente pela personalização. A telemetria nos automóveis, os dispositivos inteligentes em casa e até a análise de dados de saúde estão a criar oportunidades para prémios mais justos e adaptados ao risco real de cada pessoa.
Mas a verdadeira revolução talvez esteja na forma como encaramos a proteção. Em vez de um mal necessário, os seguros devem ser vistos como ferramentas de gestão de risco que permitem às famílias e empresas prosperarem com confiança. Esta mudança de mentalidade exigirá tempo, educação e, acima de tudo, transparência por parte de todas as partes envolvidas.
Enquanto isso, os portugueses continuam a navegar num mar de opções complexas, muitas vezes escolhendo a apólice mais barata sem considerar se esta lhes trará a proteção necessária quando mais precisarem. O desafio do sector será convencê-los de que economizar no seguro hoje pode significar perder tudo amanhã.
Seguros: o que os portugueses ainda não sabem sobre proteger o seu futuro
