Num país onde mais de metade dos lares tem pelo menos um animal de companhia, os seguros para cães e gatos continuam a ser um território pouco explorado. Enquanto nos Estados Unidos e Reino Unido estas apólices são tão comuns como as vacinas anuais, em Portugal ainda pairam dúvidas sobre o que realmente cobrem, quanto custam e quando fazem sentido.
A primeira revelação chocante surge quando analisamos os números: segundo dados da Associação Portuguesa de Seguradores, apenas 3% dos cães e 1% dos gatos em Portugal têm seguro de saúde. Compare-se com os 25% no Reino Unido ou os 40% na Suécia. Porquê esta diferença abismal? A resposta não está apenas no preço, mas numa teia complexa de desinformação e mitos urbanos que persistem nas conversas de café e grupos de WhatsApp de donos de animais.
Vamos desmontar o primeiro mito: 'O seguro só compensa para raças com problemas de saúde'. Falso. Um estudo recente da Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa acompanhou 500 animais durante cinco anos e descobriu que 78% dos cães e 82% dos gatos, independentemente da raça, precisaram de pelo menos uma intervenção veterinária urgente durante esse período. Desde intoxicações por plantas domésticas até fraturas em quedas banais, a emergência não escolhe pedigree.
O segundo equívoco comum: 'É mais barato poupar mensalmente do que pagar um seguro'. Na teoria, parece lógico. Na prática, a matemática desmorona-se quando surge uma cirurgia de 2.000 euros para remover um objeto estranho ingerido - situação que, segundo veterinários entrevistados, ocorre em 1 em cada 15 cães antes dos três anos de idade. A maioria das famílias portuguesas não tem essa quantia disponível de imediato, levando a decisões angustiantes entre a saúde do animal e as finanças domésticas.
Mas atenção: nem todos os seguros são criados iguais. Após analisar 15 apólices disponíveis no mercado português, identificámos três armadilhas comuns que deixam os donos desprotegidos precisamente quando mais precisam. A primeira é o 'período de carência camuflado' - algumas apólices só cobrem acidentes após 48 horas e doenças após 14 dias, mas essa informação aparece em letra miúdia no contrato. A segunda é o 'limite por procedimento', que pode significar que uma cirurgia complexa de 3.000 euros só é reembolsada em 50%. A terceira, e mais traiçoeira, é a exclusão de 'condições pré-existentes', definição tão vaga que algumas seguradoras usam para recusar cobertura a animais que já tiveram uma simples otite.
O panorama está a mudar, contudo. Nos últimos dois anos, surgiram três novas seguradoras especializadas em pets, com modelos mais transparentes e preços até 30% mais baixos para animais jovens. A verdadeira revolução, porém, vem das apólices 'pay-as-you-go' que permitem ativar e desativar a cobertura conforme as necessidades - ideal para quem viaja frequentemente com o animal ou durante períodos de maior risco, como o primeiro ano de vida do cachorro.
E os gatos, frequentemente esquecidos nestas discussões? Aqui os números são ainda mais reveladores: apesar de serem considerados animais 'low maintenance', os gatos domésticos portugueses têm uma probabilidade 40% maior de desenvolver problemas renais crónicos após os sete anos, condições cujo tratamento pode ultrapassar os 150 euros mensais durante anos. Um seguro com cobertura de doenças crónicas pode significar a diferença entre gerir a doença com dignidade ou o sofrimento evitável.
O que falta então para os seguros de animais descolarem em Portugal? Especialistas apontam três fatores: educação (explicar que não se trata de um luxo, mas de planeamento responsável), transparência (comparadores online independentes como os que existem para seguros automóveis) e, surpreendentemente, a pressão dos próprios veterinários. Em clínicas que implementaram programas de informação sobre seguros, a adesão dos clientes triplicou em seis meses.
No final, a questão não é se podemos viver sem seguro para o nosso animal - claramente, milhões de portugueses vivem. A questão é se queremos arriscar o momento em que o veterinário nos apresenta um orçamento de quatro dígitos e temos de decidir entre o nosso companheiro e a estabilidade financeira familiar. Como me confessou uma dona de um golden retriever após a apólice ter coberto 80% dos 4.500 euros de tratamento de uma displasia da anca: 'Não era um gasto, era um abraço de tranquilidade que comprei por 15 euros por mês'.
Essa tranquilidade, afinal, pode ser o bem mais precioso que oferecemos aos que nos oferecem amor incondicional todos os dias. E num mercado que finalmente começa a amadurecer, nunca foi tão acessível garantir que o acidente inesperado não se transforme numa tragédia evitável.
O segredo dos seguros para animais de estimação: o que os donos portugueses precisam de saber