A revolução silenciosa do hidrogénio verde em Portugal: quando o sol alimenta o futuro

A revolução silenciosa do hidrogénio verde em Portugal: quando o sol alimenta o futuro
Enquanto os holofotes mediáticos se concentram nos painéis solares que cobrem telhados e campos, uma revolução mais silenciosa — mas potencialmente mais transformadora — está a ganhar forma nos laboratórios e complexos industriais portugueses. O hidrogénio verde, produzido através da eletrólise da água usando eletricidade de origem renovável, emerge não como uma mera alternativa energética, mas como a peça que faltava no puzzle da descarbonização.

Os números contam uma história convincente: Portugal possui uma das mais elevadas taxas de irradiação solar da Europa, um recurso que ultrapassa em muito as necessidades de consumo doméstico. O excedente, até agora considerado um problema de gestão de rede, transforma-se na matéria-prima para produzir o chamado "combustível do futuro". Investigação recente do LNEG revela que o potencial de produção de hidrogénio verde no Alentejo e Algarve poderia abastecer não apenas o mercado nacional, mas posicionar Portugal como exportador para o norte da Europa.

A estratégia nacional para o hidrogénio, aprovada em 2020, deixou de ser um documento de intenções para se materializar em projetos concretos. Em Sines, onde outrora fumegavam chaminés de indústrias pesadas, prepara-se agora o maior centro de produção de hidrogénio verde do sul da Europa. A conjugação do porto de águas profundas com parques solares e eólicos nas redondezas cria condições únicas que já captaram o interesse de gigantes como a EDP e a Galp.

Mas a verdadeira disrupção ocorre a montante na cadeia de valor. Startups portuguesas estão a desenvolver tecnologias de eletrólise mais eficientes e baratas, reduzindo o custo de produção que tem sido o principal obstáculo à massificação. A empresa 1s2 Solutions, incubada na Universidade do Porto, criou um sistema que aumenta em 30% a eficiência da conversão elétrica, enquanto a H2Biz desenvolveu um modelo de produção distribuída que permite a pequenas unidades produtivas gerarem o seu próprio hidrogénio.

O setor dos transportes representa o primeiro grande mercado de penetração. Os camiões de mercadorias, responsáveis por uma fatia significativa das emissões do transporte rodoviário, encontram no hidrogénio verde uma solução que combina autonomia e tempo de abastecimento reduzido — vantagens críticas face aos veículos elétricos a bateria. A Transportes Luis Simões já iniciou testes com uma frota de camiões a hidrogénio que ligam Lisboa ao Porto, num percurso que inclui um posto de abastecimento estrategicamente localizado em Leiria.

Na indústria pesada, setor particularmente difícil de descarbonizar, o hidrogénio verde começa a substituir o gás natural em processos de alta temperatura. A Navigator Company está a converter gradualmente as suas caldeiras para funcionarem com uma mistura de hidrogénio, enquanto a Cimpor explora a utilização direta em fornos de cimento. Estas transições, ainda que parciais, representam cortes significativos nas emissões sem comprometer a competitividade.

Os desafios, contudo, persistem. A infraestrutura de transporte e armazenamento necessita de investimentos avultados, e a regulamentação ainda não acompanhou totalmente o ritmo da inovação tecnológica. Especialistas alertam para o risco de criar "ilhas de hidrogénio" desconectadas, defendendo uma abordagem sistémica que integre produção, transporte e consumo.

O financiamento tem chegado de múltiplas fontes: além dos fundos nacionais do Plano de Recuperação e Resiliência, Portugal captou investimento significativo através do programa europeu IPCEI (Projetos Importantes de Interesse Europeu Comum). Esta conjugação de fundos públicos e privados totaliza já mais de 900 milhões de euros em projetos aprovados, com previsão de gerar três mil postos de trabalho diretos até 2025.

O posicionamento geopolítico de Portugal ganha nova relevância neste contexto. Enquanto a Alemanha e outros países do norte da Europa enfrentam limitações na produção local de energias renováveis, o sul da Europa — e Portugal em particular — emerge como fornecedor potencial. Os primeiros acordos de exportação já foram assinados, prevendo o envio de hidrogénio verde via navio a partir de 2026.

O sucesso desta transição dependerá da capacidade de criar ecossistemas regionais integrados. No Alentejo, por exemplo, a produção de hidrogénio verde pode alimentar não apenas a indústria, mas também ser convertida em amónia verde para fertilizantes, criando sinergias com o setor agrícola. No litoral centro, a combinação com a energia eólica offshore promete criar um hub exportador competitivo.

O caminho está traçado, mas a velocidade da transição permanece incerta. Enquanto alguns defendem uma aposta agressiva na exportação, outros alertam para a necessidade de consolidar primeiro o mercado interno. O que parece claro é que Portugal tem, pela primeira vez, a oportunidade de não apenas acompanhar, mas liderar uma revolução energética com impacto global.

O hidrogénio verde representa mais do que uma alternativa energética — simboliza a capacidade de transformar uma limitação histórica (a dependência energética externa) numa vantagem competitiva. Nesta corrida silenciosa, Portugal joga as suas cartas com um trunfo raro: a conjugação de recursos naturais, conhecimento técnico e visão estratégica. O sol que sempre brilhou sobre nós pode, afinal, alimentar muito mais do que painéis solares — pode impulsionar uma nova era de prosperidade energética.

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