Nas estradas alentejanas, onde outrora se via apenas sobreiros e oliveiras, erguem-se agora fileiras de painéis solares que brilham sob o sol português. Esta não é apenas uma mudança paisagística – é uma transformação económica e social que está a redefinir o que significa ser produtor de energia em Portugal. Enquanto a Europa debate a transição energética, Portugal avança a passo firme, ultrapassando metas e surpreendendo até os mais otimistas.
O ano de 2023 marcou um ponto de viragem histórico: pela primeira vez, a energia solar ultrapassou a hídrica na produção de eletricidade em Portugal. Segundo dados da REN, os parques solares produziram 7,1 terawatt-hora, um aumento de 43% face ao ano anterior. Este crescimento explosivo não aconteceu por acaso – resulta de uma estratégia concertada entre políticas públicas, investimento privado e, surpreendentemente, da adesão popular através das comunidades de energia.
Nas cidades, um fenómeno discreto mas significativo está a ganhar força: as fachadas de edifícios transformam-se em centrais elétricas. Em Lisboa, o projeto 'Solar City' está a equipar edifícios municipais com painéis solares, enquanto no Porto, o programa 'Sol do Porto' já permitiu a instalação de mais de 5.000 metros quadrados de painéis em escolas e equipamentos desportivos. Mas o verdadeiro motor desta revolução está nos cidadãos comuns que, cansados das contas de luz estratosféricas, descobriram que podem ser simultaneamente consumidores e produtores.
As comunidades de energia renovável estão a florescer por todo o país, desde a aldeia algarvia onde 30 famílias partilham a produção de um parque solar até ao bairro lisboeta onde os moradores de um prédio centenário criaram a sua própria micro-rede. Este movimento de base está a desafiar o modelo tradicional das grandes utilities e a criar um novo paradigma: a energia como bem comum, gerida localmente e partilhada democraticamente.
Nos bastidores desta transformação, uma batalha silenciosa está a ser travada. Os grandes players energéticos, que durante décadas dominaram o mercado, veem-se agora confrontados com a descentralização da produção. Enquanto a EDP investe milhões em mega-parques solares, as pequenas cooperativas multiplicam-se, criando um ecossistema energético mais diversificado e resiliente. Esta diversificação não é apenas económica – é estratégica, reduzindo a dependência de fontes únicas e aumentando a segurança do abastecimento.
O armazenamento de energia, outrora o calcanhar de Aquiles das renováveis, está a dar passos significativos. Em Évora, a maior bateria de iões de lítio da Península Ibérica, com capacidade para armazenar 1,1 megawatt-hora, está a demonstrar que é possível ter sol 24 horas por dia. Projetos piloto de hidrogénio verde, alimentados por excedentes solares, começam a surgir no Alentejo, antecipando o próximo capítulo desta revolução energética.
Mas nem tudo são rosas neste caminho para um futuro mais limpo. A expansão acelerada dos parques solares levanta questões sobre o uso do solo, especialmente em regiões como o Alentejo, onde a agricultura e a produção energética competem pelo mesmo espaço. A resposta tem vindo a surgir na forma de agrossolar – sistemas que combinam a produção agrícola com painéis solares elevados, permitindo que debaixo deles cresçam culturas ou pastem animais.
O impacto económico desta revolução solar está a redesenhar o mapa do desenvolvimento regional. Municípios do interior, outrora em declínio demográfico, veem agora chegar investimentos que criam emprego e fixam população. Em Moura, onde funciona uma das maiores centrais solares da Europa, criou-se um cluster de empresas especializadas em energias renováveis que emprega mais de 200 pessoas – um exemplo de como a transição energética pode ser também uma transição para uma economia mais justa territorialmente.
O próximo desafio está à vista: a integração massiva da energia solar na rede elétrica nacional. A Rede Elétrica Nacional (REN) está a desenvolver sistemas inteligentes de gestão que permitam absorver a produção intermitente do sol sem comprometer a estabilidade da rede. Esta é talvez a revolução dentro da revolução – a transformação digital do sistema elétrico para acomodar fontes de energia que não obedecem aos comandos humanos, mas sim aos ciclos naturais.
Enquanto escrevo estas linhas, o sol brilha sobre Portugal com uma intensidade que os nossos avós dificilmente imaginariam poder ser transformada em progresso. Esta não é apenas uma história sobre painéis e watts – é uma narrativa sobre autonomia, sobre comunidades que retomam o controlo do seu destino energético, sobre um país que descobriu que o seu recurso mais abundante não está no subsolo, mas a 150 milhões de quilómetros de distância, a brilhar todos os dias sobre o seu território.
O futuro, afinal, pode ser tão brilhante quanto o sol que nos ilumina.
A revolução silenciosa do sol: como Portugal está a reescrever o seu futuro energético