Há uma transformação a acontecer nos telhados de Portugal que quase ninguém está a notar. Enquanto os debates políticos giram em torno de megaprojetos eólicos e barragens controversas, milhares de portugueses estão a tomar nas suas próprias mãos o futuro energético do país. Esta não é uma história sobre subsídios milionários ou acordos internacionais, mas sobre pessoas comuns que decidiram que já chega de esperar.
Nos últimos dois anos, o número de instalações solares residenciais triplicou em Portugal, segundo dados da Direção-Geral de Energia e Geologia. Mas os números oficiais contam apenas parte da história. A verdadeira revolução está a acontecer nas varandas dos apartamentos, nos quintais das moradias e até nos terraços de prédios antigos do centro histórico de Lisboa e Porto.
O fenómeno é particularmente visível nas zonas rurais, onde os agricultores descobriram que os painéis solares podem ser tão produtivos como as suas vinhas ou olivais. No Alentejo, já não são apenas as grandes centrais fotovoltaicas que dominam a paisagem. Pequenos produtores instalaram sistemas que lhes permitem regar os campos durante o dia e vender o excedente à rede à noite, criando uma fonte de rendimento adicional que está a salvar muitas explorações familiares.
Mas esta democratização da energia tem os seus desafios. A rede elétrica nacional, desenhada para um modelo centralizado de produção, está a ter dificuldade em absorver tanta energia distribuída. Em algumas localidades do interior, já há dias em que a produção solar local excede o consumo, criando problemas técnicos que a E-Redes está a tentar resolver com investimentos em redes inteligentes.
O aspecto mais interessante desta revolução é quem a está a liderar. Não são apenas os jovens ambientalistas ou os early adopters tecnológicos. Nas feiras de energia que percorrem o país, encontram-se reformados que fazem contas ao retorno do investimento, pequenos comerciantes que querem fugir aos preços voláteis da eletricidade e até paróquias que instalaram painéis nas igrejas para reduzir as contas da comunidade.
A burocracia, no entanto, continua a ser um obstáculo. O processo para legalizar uma microprodução ainda leva em média 45 dias, e muitos portugueses confessam-nos que desistiram no meio do labirinto de formulários e autorizações. As associações do setor alertam que Portugal poderia ter o dobro das instalações atuais se o processo fosse simplificado.
Há também uma guerra silenciosa a acontecer nos telhados das cidades. As comunidades de energia renovável, permitidas por legislação recente, estão a surgir em condomínios onde os vizinhos se juntam para instalar sistemas partilhados. Em Coimbra, um grupo de oito famílias criou a sua própria cooperativa solar e já conseguiu reduzir as faturas de energia em 60%. O modelo está a espalhar-se tão rapidamente que algumas imobiliárias começaram a valorizar apartamentos com acesso a estas comunidades.
O que mais surpreende nesta história é o silêncio que a rodeia. Enquanto outros países fazem grandes anúncios sobre as suas transições energéticas, Portugal está a fazer a sua de baixo para cima, telhado a telhado, sem fanfarras. Os especialistas com quem conversámos acreditam que este movimento bottom-up pode ser mais sustentável a longo prazo do que os grandes projetos impulsionados pelo Estado.
Nas escolas, o fenómeno também está a entrar. Várias autarquias estão a instalar painéis solares nos estabelecimentos de ensino, não apenas para poupar nas contas da luz, mas como ferramenta pedagógica. As crianças aprendem matemática calculando a produção de energia e ciências estudando o efeito fotovoltaico, enquanto as escolas poupam milhares de euros que podem investir noutras áreas.
O setor empresarial não ficou indiferente. Pequenas e médias empresas descobriram que os painéis solares são um investimento com retorno mais rápido do que muitos dos seus negócios principais. Um restaurante no Algarve que instalou painéis conta-nos que o investimento se pagou em três anos, e agora a energia é praticamente gratuita durante os meses de maior consumo, no verão.
Esta revolução silenciosa tem um lado menos visível: a inovação tecnológica que está a surgir em Portugal. Startups portuguesas estão a desenvolver soluções para armazenamento de energia, gestão inteligente de micro-redes e até painéis solares transparentes que podem ser integrados em janelas. O país está a tornar-se num laboratório de soluções energéticas descentralizadas.
O que começou como uma forma de poupar na fatura da luz está a transformar-se num movimento que está a alterar a relação dos portugueses com a energia. Já não são apenas consumidores passivos, mas produtores ativos. Esta mudança de mentalidade pode ser a herança mais duradoura desta revolução que acontece sobre as nossas cabeças, muitas vezes sem darmos por isso.
O futuro, segundo os especialistas, passará por edifícios que são simultaneamente casas e centrais elétricas, por carros elétricos que armazenam energia solar durante o dia para alimentar as casas à noite, e por comunidades que partilham recursos energéticos como outrora partilhavam poços ou fornos comunitários. A energia está a tornar-se, finalmente, um bem comum.
Enquanto escrevemos estas linhas, mais telhados portugueses estão a ganhar o seu brilho azulado. A revolução não será televisionada, mas pode ser vista de qualquer avião que sobrevoe o país ao final da tarde, quando o sol se reflete em milhares de painéis que transformam luz em liberdade energética. E o mais extraordinário é que esta história está a ser escrita por pessoas comuns, uma instalação de cada vez, sem esperar por salvadores ou soluções mágicas. O poder, literalmente, está nas suas mãos.
A revolução silenciosa dos telhados portugueses: como a energia solar está a mudar o país sem alarido