Há uma revolução a acontecer nos telhados de Portugal, mas quase ninguém está a prestar atenção. Enquanto os grandes debates energéticos se concentram nas eólicas offshore ou no hidrogénio verde, uma transformação silenciosa está a espalhar-se de norte a sul do país. São painéis solares que brotam em telhados residenciais, armazéns industriais e até em terrenos agrícolas abandonados. Mas esta não é apenas uma história sobre tecnologia - é sobre como os portugueses estão a reapropriar-se do seu poder energético.
Os números contam uma parte da história: segundo dados recentes, Portugal instalou mais capacidade solar em 2023 do que em toda a década anterior. Mas os números não capturam o fenómeno social por trás dos megawatts. Em aldeias do interior alentejano, onde as redes elétricas são frágeis, famílias que antes viviam com receio dos cortes de energia agora produzem a sua própria eletricidade. Em bairros suburbanos de Lisboa e Porto, vizinhos competem amigavelmente para ver quem produz mais energia limpa, partilhando dicas em grupos de WhatsApp improvisados.
O que torna esta revolução particularmente portuguesa é a forma como se adaptou às especificidades do país. Os instaladores aprenderam a lidar com os telhados de telha tradicional, desenvolvendo sistemas de fixação que não comprometem a estética das zonas históricas. Nas regiões vinícolas, os painéis convivem com as vinhas, proporcionando sombra que, em alguns casos, melhora a qualidade das uvas. Até os rebanhos de ovelhas no Alentejo beneficiam - pastam debaixo dos painéis solares em terrenos que de outra forma estariam abandonados.
Mas nem tudo são rosas nesta transição energética caseira. Uma investigação mais aprofundada revela uma teia burocrática que continua a estrangular o potencial solar português. Enquanto em países como a Alemanha o processo de licenciamento para uma instalação residencial leve menos de uma semana, em Portugal pode arrastar-se por meses. Municípios pequenos, sem técnicos especializados, acumulam processos por analisar. E depois há o drama das licenças da Direção-Geral de Energia e Geologia - um labirinto regulatório que só os mais persistentes conseguem navegar.
O setor financeiro começou finalmente a acordar para esta realidade. Bancos que há cinco anos nem consideravam empréstimos para energia solar agora oferecem produtos específicos, com taxas preferenciais para projetos sustentáveis. Seguradoras desenvolveram apólices que cobrem não apenas os painéis, mas também a perda de produção em caso de avaria. E surgiu um mercado secundário curioso: empresas que compram excedentes de produção a pequenos produtores, agregando-os para vender a grandes consumidores industriais.
Talvez o desenvolvimento mais intrigante seja o que está a acontecer nas comunidades energéticas. Em zonas rurais, grupos de vizinhos juntam-se para instalar parques solares comunitários. Em vez de cada casa ter os seus painéis, criam uma microcentral que serve toda a comunidade. Os excedentes são vendidos, e os lucros reinvestidos em melhoramentos locais - desde a renovação da casa do povo à compra de um veículo elétrico partilhado. É democracia energética na prática, e está a florescer em lugares improváveis, longe dos holofotes mediáticos.
A indústria nacional tenta acompanhar este tsunami de procura. Empresas portuguesas que antes importavam todos os componentes agora fabricam estruturas de suporte e inversores. Uma fábrica no norte do país começou a produzir painéis solares com tecnologia desenvolvida em parceria com universidades portuguesas. O know-how acumulado começa a ser exportado para antigas colónias portuguesas em África, onde as condições solares são ainda mais favoráveis.
O que o governo parece não ter percebido é que esta revolução dos telhados está a criar uma nova geografia energética. Redes de microprodução estão a surgir, descentralizando um sistema que durante décadas dependeu de meia dúzia de grandes centrais. Esta teia de pequenos produtores torna o sistema elétrico nacional mais resiliente - quando há uma avaria numa linha, a produção local pode manter as luzes acesas. É uma segurança energética que não aparece nos discursos políticos, mas que os portugueses estão a construir, telha a telha.
O futuro próximo trará desafios interessantes. À medida que mais portugueses produzirem a sua própria energia, as receitas da rede nacional diminuirão. Como se financiará a manutenção das infraestruturas? E quando os carros elétricos se massificarem, como gerir o consumo adicional sem sobrecarregar redes que já estão a ser transformadas pela produção descentralizada? São questões complexas que exigirão soluções criativas.
Enquanto isso, a revolução continua, quase em silêncio. É nas reuniões de condomínio, nas conversas de café e nas partilhas nas redes sociais que esta história está a ser escrita. Os portugueses, sempre desconfiados de grandes promessas, estão a adotar a energia solar não por ideologia, mas por pragmatismo. Descobriram que, às vezes, a independência energética começa no próprio telhado.
A revolução silenciosa dos telhados portugueses: como a energia solar está a mudar o país sem que ninguém dê por isso