Nos últimos dois anos, algo extraordinário tem vindo a acontecer nos telhados portugueses. O que antes eram superfícies inertes, expostas ao sol que tanto caracteriza o nosso país, transformaram-se em centrais energéticas improvisadas. A revolução solar chegou a Portugal de forma discreta, quase silenciosa, mas com um impacto que está a redefinir a relação dos portugueses com a energia.
Quando Maria Silva, uma reformada de 68 anos de Évora, decidiu instalar painéis solares no telhado da sua casa de um andar, os vizinhos olharam com cepticismo. "Diziam que era dinheiro deitado fora, que o investimento nunca se iria pagar", recorda. Dois anos depois, não só eliminou a sua factura de electricidade como começou a vender o excedente à rede. "No verão, quando os meus netos vêm passar férias e ligam o ar condicionado o dia todo, até ganho dinheiro", conta com um sorriso que revela mais do que satisfação financeira - revela autonomia.
Esta mudança de paradigma está a ocorrer a uma velocidade surpreendente. Segundo dados da Direcção-Geral de Energia e Geologia, as instalações de autoconsumo solar em Portugal cresceram 187% no último ano. O fenómeno não se limita aos particulares - pequenas e médias empresas estão a descobrir que a energia solar pode ser a diferença entre a sobrevivência e o encerramento num contexto de preços energéticos voláteis.
A história da Padaria Moderna, em Coimbra, é paradigmática. António Mendes, o proprietário, instalou 40 painéis no telhado do seu estabelecimento no ano passado. "Os fornos são os nossos maiores consumidores de energia. Com os painéis, reduzi a factura mensal em 65%. Esse dinheiro permitiu-me contratar mais um funcionário", explica. O que começou como medida de poupança transformou-se numa vantagem competitiva que atrai clientes preocupados com a sustentabilidade.
Mas esta transição energética não está isenta de desafios. A burocracia continua a ser um obstáculo significativo para muitos portugueses. O processo de licenciamento, embora simplificado em relação ao que era há cinco anos, ainda exige paciência e conhecimentos técnicos que nem todos possuem. "Demorei três meses desde que comprei os painéis até poder ligá-los à rede", conta João Pereira, empresário do sector do turismo no Algarve. "Se não tivesse um primo engenheiro que me ajudou com a papelada, provavelmente teria desistido."
Os especialistas alertam para outro problema: a qualidade das instalações. Com o boom da procura, surgiram dezenas de empresas oferecendo serviços de instalação solar, nem todas com a qualificação necessária. "Há casos de painéis mal instalados que não produzem o que deviam, ou inversores de má qualidade que quebram ao fim de poucos meses", adverte Miguel Santos, consultor energético com 15 anos de experiência.
A nível macroeconómico, a expansão da energia solar residencial está a ter efeitos colaterais interessantes. As distribuidoras de electricidade enfrentam o desafio de gerir uma rede que já não é unidireccional. "Temos cada vez mais produtores-consumidores, o que exige investimentos em redes inteligentes capazes de gerir fluxos bidireccionais", explica Carla Rodrigues, directora de inovação da E-Redes.
O financiamento tem sido outra peça crucial neste puzzle. Os bancos portugueses, inicialmente cépticos, começaram a desenvolver produtos específicos para o sector. "Os empréstimos para eficiência energética representam já 8% da nossa carteira de crédito à habitação", revela Pedro Almeida, gestor num dos maiores bancos nacionais. A taxa de inadimplência é residual, o que demonstra a viabilidade económica destes investimentos.
Tecnologicamente, assistimos a avanços notáveis. Os painéis de última geração são significativamente mais eficientes do que os disponíveis há cinco anos, e os sistemas de armazenamento estão a tornar-se mais acessíveis. "A bateria que instalei no ano passado custou metade do que teria custado em 2020", conta Sofia Martins, arquitecta do Porto. "Permite-me usar a energia que produzo durante o dia à noite, tornando-me quase completamente independente da rede."
O impacto social desta transição vai além da economia doméstica. Em zonas rurais, onde a rede eléctrica é menos fiável, os sistemas solares com armazenamento estão a melhorar significativamente a qualidade de vida. "Aqui na serra algarvia, os cortes de electricidade eram frequentes, especialmente no Inverno", diz Manuel Gonçalves, agricultor. "Desde que instalei os painéis e a bateria, nunca mais fiquei sem energia."
O futuro promete ainda mais inovações. Os painéis transparentes que podem ser integrados em janelas, os sistemas flutuantes para albufeiras e os materiais flexíveis que se adaptam a qualquer superfície são algumas das tecnologias em desenvolvimento. "Estamos apenas no início desta revolução", defende Isabel Costa, investigadora do INESC. "Daqui a dez anos, a energia solar será tão ubíqua como o Wi-Fi é hoje."
Enquanto isso, nos telhados portugueses, a revolução continua, painel a painel, watt a watt. Não com o estrondo das grandes obras públicas, mas com a determinação silenciosa de quem percebeu que o futuro energético não está nas mãos das grandes corporações, mas literalmente sobre as nossas cabeças.
A revolução silenciosa dos telhados portugueses: como os painéis solares estão a transformar lares e negócios
