O boom do autoconsumo solar em Portugal: como os portugueses estão a ganhar independência energética

O boom do autoconsumo solar em Portugal: como os portugueses estão a ganhar independência energética
Nos últimos dois anos, Portugal assistiu a uma revolução silenciosa nos telhados do país. De norte a sul, os painéis solares multiplicaram-se a um ritmo surpreendente, transformando a paisagem urbana e rural. O que começou como um nicho para entusiastas ambientais tornou-se um movimento massivo, impulsionado pela crise energética e pelos incentivos governamentais.

Segundo dados da Direção-Geral de Energia e Geologia, as instalações de autoconsumo solar cresceram 187% em 2023 face ao ano anterior. Só no primeiro semestre de 2024, foram licenciados mais sistemas do que em todo o ano de 2021. Este crescimento explosivo reflete uma mudança profunda na mentalidade dos portugueses, que descobriram na energia solar não apenas uma forma de poupar na fatura da luz, mas também de ganhar autonomia face às volatilidades do mercado energético.

A crise dos preços da energia, agravada pela guerra na Ucrânia, funcionou como um catalisador decisivo. Muitas famílias viram as suas faturas de eletricidade duplicar ou triplicar num espaço de meses, tornando o investimento em painéis solares não apenas ambientalmente responsável, mas economicamente inteligente. O retorno do investimento, que antes se situava nos 7-8 anos, reduziu-se para 4-5 anos em muitos casos.

O programa de apoio 'Fundos Ambientais' tem sido crucial neste processo. Através do Programa de Apoio a Edifícios Mais Sustentáveis, milhares de famílias e empresas acederam a comparticipações que cobrem até 85% do custo da instalação. No entanto, o sucesso do programa trouxe também desafios: as filas de espera alongaram-se e muitos instaladores reportam dificuldades em dar resposta à procura.

A nível tecnológico, as inovações têm sido notáveis. As baterias de armazenamento, outrora um luxo inacessível, tornaram-se mais eficientes e acessíveis. Sistemas de gestão inteligente permitem agora optimizar o consumo, direcionando a energia para os electrodomésticos mais importantes ou carregando veículos eléctricos durante as horas de maior produção.

O sector empresarial não ficou indiferente a esta tendência. Pequenas e médias empresas, especialmente no sector agrícola e transformador, descobriram no solar uma forma de reduzir custos operacionais significativos. Supermercados, fábricas e até estações de serviço cobrem agora os seus telhados e parques de estacionamento com painéis, transformando espaços ociosos em centrais de produção energética.

As cooperativas de energia renovável emergiram como um modelo inovador, permitindo que comunidades inteiras se unam para investir em parques solares comunitários. No Alentejo, por exemplo, a Cooperativa Eléctrica de Aljustrel tornou-se um caso de estudo internacional, fornecendo energia limpa a centenas de famílias a preços abaixo do mercado.

No entanto, este crescimento acelerado não está isento de desafios. A rede eléctrica nacional, desenhada para um modelo centralizado de produção, enfrenta dificuldades em gerir os fluxos bidirecionais resultantes da produção descentralizada. Em algumas zonas do país, já se registaram problemas de sobrecarga nas redes durante as horas de maior produção solar.

A qualidade da instalação tornou-se outra preocupação. Com a procura a ultrapassar a oferta de técnicos qualificados, multiplicam-se as histórias de instalações deficientes ou de equipamentos de qualidade duvidosa. A Associação Portuguesa de Energias Renováveis alerta para a necessidade de maior regulação e certificação do sector.

O futuro do autoconsumo solar em Portugal parece promissor, mas exigirá investimentos inteligentes em redes inteligentes, formação de técnicos e políticas que continuem a incentivar a adopção sem sacrificar a qualidade e segurança. A meta do governo de atingir 80% de electricidade renovável até 2030 parece cada vez mais atingível, graças à revolução que está a acontecer nos telhados dos portugueses.

Esta transformação energética representa mais do que uma mudança tecnológica: simboliza uma reapropriação do poder energético pelos cidadãos, uma democratização da produção que pode redefinir as relações de poder no sector energético nas próximas décadas.

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